Quem virá depois de Chávez?

Atualizado em 3 de janeiro de 2013 às 14:08

Diosdado Cabello, presidente do Congresso, e o vice Nicolás Maduro representam duas correntes do chavismo

Chávez entre Cabello (esquerda) e Maduro

O jornalista venezuelano Boris Muñoz é autor de vários livros, entre eles La Ley de La Calle, Más Allá de La Ciudad Letrada e Despachos Del Imperio. Ele contribui regularmente para revistas e sites da América Latina e dos Estados Unidos. Munõz escreveu esta análise da Venezuela pós-Chávez para a revista New Yorker.

Após duas semanas de rumores sobre a saúde do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, seu vice-presidente, Nicolás Maduro, anunciou neste domingo que seu estado de saúde era “delicado”. Maduro tinha voado para Cuba, onde Chávez está sendo tratado, para ficar ao seu lado. Isso aconteceu apenas alguns dias depois de um discurso transmitido pela televisão na véspera de Natal, em que Maduro disse que Chávez tinha falado por telefone do CIMEQ, um hospital exclusivo em Havana, e estava “consciente e se exercitando.” Este anúncio aumentou a confusão que reina na Venezuela porque contradizia um relatório oficial emitido algumas horas antes, em que se dizia que Chávez estava na cama mantendo repouso.

Chávez ainda está vivo, embora haja sinais de que o final poderia vir a qualquer momento. Por mais de um ano, Chávez não foi uma presença física, mas uma sombra. Sua saúde tem sido envolta em mistério desde junho de 2011, quando anunciou que havia passado por uma cirurgia de emergência em Havana. Tudo o que ele disse foi que um tumor do tamanho de uma bola de beisebol havia sido removido de sua área pélvica e uma biópsia revelou que continha células cancerígenas. Ninguém sabe que tipo de câncer, muito menos o estágio da doença, exceto para um círculo de fiéis em Cuba e Venezuela, que têm mantido o segredo com o zelo de uma seita religiosa. Especulações sobre sua saúde se tornaram um passatempo nacional. Também é especulado fortemente sobre quem vai sucedê-lo.

Importa muito se Chávez morre nesta semana ou na próxima. Dia 10 de janeiro é a data da cerimônia de abertura do terceiro mandato. (Ele foi eleito com 55% dos votos em 7 de outubro.) Segundo a Constituição venezuelana, se Chávez morrer antes disso, o vice Nicolás Maduro assumiria o final do mandato em curso, e em seguida, o presidente do Congresso, Diosdado Cabello, assumiria a presidência e convocaria eleições em 30 dias. Se Chávez tomar posse e, em seguida, não puder continuar o mandato, Maduro convocaria novas eleições. E é provável que o candidato presidencial seja Maduro, que Chávez nomeou seu herdeiro. Chávez pediu às pessoas para votar em Maduro no caso de ele faltar.

A luta pela sucessão está em pleno andamento. Cabello e Maduro, dois herdeiros potenciais de Chávez, representam duas correntes opostas da franquia de esquerda nacionalista.

Por 14 anos, desde que chegou ao poder em 1998, Chávez tem sido o alfa e o ômega da sua “revolução bolivariana”. A Venezuela tratou-o como se fosse uma empresa e seu próprio CEO absolutista obcecado com a microgestão, confiando em poucos conselheiros para manter o país sob forte controle. Esse tempo está chegando ao fim. As rachaduras profundas já estão presentes. O chavismo é um movimento político com profundas divisões entre a ala civil e militar. Chávez, um antigo paraquedista do Exército, tem sido um líder em ambas as frentes, de acordo com a conveniência civil ou militar. Mas a divisão civil-militar reflete duas concepções diferentes da revolução bolivariana: uma revolução nacionalista ou revolução socialista baseada no modelo cubano.

Vigília por Chávez em Caracas

Maduro é um civil com experiência como líder sindical, e tem fortes laços com o governo cubano. Como Ministro das Relações Exteriores durante os últimos seis anos, tem sido um operador internacional obediente a Chávez. Suas negociações ajudaram a forjar alianças com regimes heterodoxas no Irã, Síria, Bielorússia e com parceiros latino-americanos da revolução bolivariana, como Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e alguns países do Caribe. Ela tem conseguido êxitos importantes, como a recente aceitação da Venezuela como Estado Membro do Mercosul, bloco sul-americano de comércio, após anos de forte oposição do Paraguai. Maduro tem a aprovação da esquerda internacional e é fortemente apoiado como candidato pelos irmãos Castro.

Cabello tem uma história diferente. Ex-membro das forças armadas, é geralmente considerado resistente e eficaz. Ele ajudou Chávez a impor medidas impopulares, como o fechamento da RCTV, ligada à oposição política na Venezuela e ao golpe de 2002. Cabello é também considerado o intermediário entre o governo e a boliburguesía (um termo que se refere ao surgimento de novos ricos dentro do chavismo). Ao contrário dos membros civis do círculo íntimo de Chávez, até recentemente, nunca tinha posto os pés em Havana e cortejado os Castro. A base de poder de Cabello é o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), do qual é vice-presidente, e o exército, onde tem forte apoio. Ao contrário de Maduro, Cabello é ligado ao grupo de oficiais do exército nacionalista que conspiraram com Chávez para tomar o poder desde os anos 80.

Tanto Cabello quanto Maduro são leais ao seu líder, mas muitos pensam que Cabello não hesitaria em forjar uma aliança entre os militares e a oligarquia venezuelana de novo, afastando-se de Cuba, evitando estender o socialismo dos Castro à Venezuela. Em um ataque virulento recentemente, o sociólogo alemão Heinz Dieterich, um dos ideólogos do “socialismo do século XXI”, comparou Cabello a Stalin, acusando-o de conspiração para destronar Maduro e o legado político de Chávez. “A Revolução de Termidor é personificada por Diosdado Cabello”, escreveu Dieterich.

Até agora, a crise interna do chavismo foi abafada. Maduro ou Cabello não têm o carisma de Chávez e nem tampouco um grupo de apoio poderoso o suficiente para se dar ao luxo de competir isoladamente pelo poder. Publicamente, ambos tiveram que se comportar como se colocassem a unidade acima de todas as ambições pessoais. Ao fazer isso, têm imitado o estilo de Chávez com a oposição, como ao chamar Henrique Capriles de porco nazista. Eles também denunciam conspirações imperialistas que querem criar o caos no país.

Cabello: "Nós somos como irmãos"

Na semana passada, apareceram juntos na televisão para dissipar rumores sobre sua rivalidade. “Nós somos como irmãos”, disse Cabello. Maduro, por sua vez, deu um sorriso de Mona Lisa. Mas, uma semana depois, Maduro emitiu um aviso sobre “contrarrevolucionários que procuram dividir o nosso apoio.” Sua alusão sugere que a decisão sobre o sucessor não acontecerá sem confrontos.

“Os soldados que faziam parte do grupo original de Chávez são socialistas, mas não alinhados com Cuba”, diz Vladimir Gessen, analista político influente e ex-congressista. “Eles perdoam a relação de Chávez com Fidel porque é claro que Chávez nunca seria manipulado pelos irmãos.”

Na análise de Gessen, Cabello estabelecerá um governo baseado no controle militar do exército e do governo. (Onze dos 20 governadores chavistas eram oficiais seniores e muitos deles estarão provavelmente ao lado de Cabello). Sob a tutela de Havana, enquanto isso, Maduro intensificou o modelo socialista cubano, que é rejeitado pelo exército nacionalista. “É por isso que o setor que apoia Cabello faria tudo em seu poder para evitar Maduro”, disse Gessen. Para os chavistas, esta previsão é uma fantasia da oposição, que quer ver Maduro e Cabello se enfrentando para testemunhar o fim de Chávez.

Partidários de Chávez estão se preparando para um futuro sem ele. “Neste momento, o que está em jogo é a sobrevivência da revolução”, disse um oficial. “Seria suicídio dividir o partido. No entanto, a médio prazo, haverá uma luta de poder, porque nos últimos 14 anos Chávez criou tudo à sua imagem e semelhança. Sem ele no comando, o conflito entre diferentes grupos de interesse, militares e civis, será inevitável. A grande questão que permanece é se é possível o chavismo sem Chávez.

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