A polêmica de César Menotti e Fabiano e a herança pós-escravocrata do samba. Por Nathali Macedo

Atualizado em 4 de junho de 2018 às 17:20
Os sertanejos César Menotti e Fabiano

O cantor sertanejo César Menotti, da dupla César Menotti e Fabiano, disse no programa Altas Horas do último sábado, em tom de piada, que “samba é música de bandido.”

Ele contava que durante um show da dupla numa penitenciária, muitos detentos pediam que eles tocassem samba:

“Sempre existem os agitadores que pedem que cante música que sabem que você não canta e insistentemente um agitador gritava: Canta um samba, canta um samba! Eu me desculpei, disse que não cantava esse tipo de música e o Fabiano, em uma grande gafe, comentou: ‘E tem mais, samba é música de bandido.”

“Eu não canto ESSE TIPO de música, só o tchêtchêrêrêtchêtchê.”

Ah, tá.

Além de não ter a menor graça, a piada camufla a ignorância que enraíza todo preconceito, inclusive o musical: qualquer estilo de música relacionado à negritude e à periferia é “coisa de bandido” e/ou faz parte da baixa cultura.

Ledo engano.

Há boas músicas e músicas ruins em todos os estilos. Há as boas – aquelas que além de bem executadas têm alma, como Cartola, Ataulfo Alves e Inezita Barroso – e há as ruins, como… as de vocês, César Menotti e Fabiano.

O mais cômico é que o comentário partiu de um cantor de sertanejo universitário, aquela música de clichês repetições que não servem nem pra grudar na cabeça e não têm o respeito sequer do próprio sertanejo raiz, que, ao que me consta, não os considera seus pares e não legou nada às novas duplas de calças apertadinhas e melodias parecidíssimas entre si.

O preconceito embutido na piada ainda marginaliza artistas talentosos em muitos estilos musicais associados em geral aos negros e periféricos, tal qual era o samba no Brasil pós-escravocrata.

A estigmatização do samba – bem como do rap e do funk, por exemplo – é, sobretudo, uma estigmatização social.

Antes era “coisa de preto, de favelado”, agora é “coisa de bandido.” Isso me lembra um samba lindíssimo de Janet de Almeida, gravado por João Gilberto: “vamos acabar com o samba/madame não gosta que ninguém sambe/vive dizendo que samba é vexame/pra que discutir com madame?”

O samba nasceu na Bahia e é negro demais no coração, e só não é tão estigmatizado quanto o rap e o funk, por exemplo, porque foi embranquecido por nomes como Vinícius de Moraes (se hoje ele é branco na poesia…) e Chico Buarque – aí sim é alta cultura: ainda coisa de boêmio vagabundo, só que bon vivant.

O apresentador Serginho Groisman não só não repreendeu o infeliz comentário do sertanejo, como riu da piada. A plateia idem.

Será que só problematizamos na internet, mesmo?

Em todo caso, depois da repercussão negativa do comentário  – como sempre acontece quando dá ruim na novela das problematizações internetescas – o cantor se desculpou nas redes sociais:

“Para quem se ofendeu, peço humildemente perdão, mas não era essa a minha intenção, era só contar um caso para distrair e, com certeza, uma piada não representa a minha opinião”, disse o cantor.

Deixa eu eu ver se entendi: é coisa de bandido, não tocamos esse tipo de música, mas respeitamos muito, sim.

Ninguém contou pra eles o significado de respeito?

Quem não gosta de samba, bom sujeito não é – com ou sem mea culpa. Pra que discutir com madame?