A histeria da Globo contra a “belezafobia”. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 16 de julho de 2018 às 13:00

Eis o perigo de qualquer pessoa poder se apropriar de qualquer palavra pra falar qualquer coisa – liberdade de expressão é quase sagrada pra mim, mas, em alguns casos, é difícil defendê-la: O G1, por exemplo, usou-a pra falar em “belezafobia”. Sim, você leu direito, o G1 está problematizando o preconceito (inexistente) contra pessoas bonitas.

Melhor ler certas coisas do que ser analfabeto, não é mesmo?

A problematização forçada (tem acontecido com alguma frequência…) se deu porque a FIFA determinou que as câmeras da Copa do Mundo – acabou, mas ainda temos os memes e os micos globais – focassem menos em mulheres “bonitas.”

Na verdade, começamos errado: o que a FIFA e a Globo querem dizer com mulheres “bonitas”? Mulheres magras, brancas e sexys, exatamente como suas repórteres.

A apropriação do sufixo “fobia” –  que tem sido usado, na última década, para designar o ódio a grupos específicos (homofobia, lesbofobia, gordofobia, etc) – pela Rede Globo para se referir a um grupo venerado pelas revistas e emissoras de televisão – as pessoas “bonitas” – não é só desonesto, é ridículo.

É como uma aberração semântica. Não dá pra conceber sem um bug mental.

A coluna do G1, que obviamente virou piada nas redes sociais, tem como título “Precisamos falar sobre belezofobia” – quando um título diz que “precisamos falar” de algo, geralmente não precisamos. Mas o G1 falou. E falou em “censura à beleza”. Nota: censura é mais uma palavra que deveria ser usada com mais bom-senso.

A FIFA não proibiu que mulheres “bonitas” fossem focadas pelas câmeras globais, só determinou que a emissora tentasse disfarçar o fato de que usa mulheres atraentes pra chamar a atenção dos telespectadores, exatamente como faz com suas repórteres, âncoras e atrizes.

Não se trata de censura, se trata de um ode à não-objetificação e à diversidade: não é só a loira peituda do nariz fininho que é bonita.  A gordinha com uma maquiagem criativa, o tiozão francês tenso quando um jogador de seu time faz uma finalização ou uma criança comendo pipoca também podem e devem compor o quadro na cobertura de um evento como a Copa do Mundo: A globo não entendeu, mas captar a beleza que não se enquadra em um padrão é justamente o que faz de um cinegrafista um bom cinegrafista.

Para além deste fato óbvio, o chilique global diante da determinação da FIFA é um enfinca pé pra permanecer objetificando mulheres e ratificando um padrão de beleza branco e magro na cobertura de um evento de repercussão mundial. A famigerada forçação de barra.

A plim-plim não consegue ser empática com os negros, nem com as mulheres, nem com os LGBTQ, muito menos com os pobres, mas transborda empatia para as pessoas “bonitas” que, coitadas, foram censuradas (foram? Eu não reparei) por suas câmeras.

Ter a auto-estima baixa, mais dificuldade pra conseguir emprego e relacionamentos e sempre um segurança te seguindo porque pensa que você, tão linda, só pode ser uma ladra, já não é sofrimento suficiente para as pobres pessoas bonitas?

Sim, é muito difícil ser linda. Senta lá, dona Globo.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.