
POR MIGUEL ENRIQUEZ
Nem em seus piores pesadelos o capitão Jair Bolsonaro, sem favor algum o mais despreparado dos candidatos à presidência que já se apresentaram nestes 128 anos de República, podia imaginar: o economista Paulo Guedes, o homem cotado para ocupar o Ministério da Fazenda, foi tiete de Lula e do PT.
Também conhecido como “Posto Ipiranga”, por ter entre suas atribuições na atual campanha eleitoral suprir a ignorância desumana do candidato do PSL acerca dos assuntos de economia, Guedes expressou suas simpatias e expectativas positivas diante do petismo no poder, logo no início do primeiro mandato de Lula.
A simpatia e o moderado otimismo com as perspectivas abertas pela chegada do petismo ao poder, estão expressos num artigo assinado por Guedes, em sua coluna na revista Exame, na edição do dia 12 de fevereiro de 2003.
Nele, o sugestivo título de “Há governo e não sou contra”, era complementado pelo subtítulo: “As críticas à política econômica do PT vêm de radicais e ressentidos”.
Um tom desafiador, sem dúvida, raro de se encontrar numa publicação de negócios da grande imprensa, da primeira à última linha.
“Até o momento, Lula e seu alto comando exibiram enorme competência na ocupação do governo e na construção das pontes para a aprovação das reformas no Congresso”, afirmava Guedes, na abertura do artigo.
“A firmeza da área econômica em defesa da austeridade fiscal, da metas inflacionárias e da flexibilidade cambial, colocou a crise em “câmara lenta”, enquanto se acelera a montagem da operação política de resgate das reformas previdenciária, tributária e trabalhista.”
Em seguida, tratou de qualificar e identificar as resistências a esses primeiros movimentos. “A quase totalidade das críticas ao novo governo é de baixa qualidade”, escreveu.
Em primeiro lugar, ele apontou entre os críticos para setores do PT. “Uma parte vem de áreas de baixa ventilação intelectual, no interior do próprio PT”, disse. “A tradicional ignorância da esquerda em matéria econômica fermentou a intolerância com que vem sendo fustigado o talentoso ministro Antônio Palocci.”
Além de Palocci, por sinal, não faltam referências a figuras como José Dirceu e José Genoino, que Guedes considerava verdadeiros sustentáculos dessa política.
“O apoio e articulação suprapartidária (José Dirceu), além da disciplina partidária para garantir a ‘unidade parlamentar’ (José Genoino) serão indispensáveis à sobrevivência de Palocci e ao bom andamento do governo Lula”.
Sua metralhadora giratória não deixou de mirar para o que chamou de “tucanos ressentidos”, recém apeados do poder com a derrota de José Serra, principais críticos externos ao PT.
“Refletem o desespero político ante a súbita modernização do PT”, afirmou. “São patéticas, pois ao grupo de viúvas de FHC e de José Serra, após dois anos no comando da área econômica (NR: no governo Itamar Franco) e oito anos de mandatos presidenciais, um pouco de silêncio cairia bem.”
E prosseguia na malhação do PSDB, referindo-se às mazelas que Lula batizou de herança maldita, recomendando-lhes “uma quarentena em memória da inapetência pelas reformas estruturais, dos formidáveis equívocos financeiros e da herança de endividamento em torno de 60% do PIB, apesar da elevação da carga tributária para 36% do PIB”.
A metade seguinte do texto é dedicada à uma avaliação positiva do que batizou de conversão intelectual de Lula & Companhia em plena campanha eleitoral, provavelmente referindo-se à “Carta ao Povo Brasileiro”, lançada pelo PT em junho de 2002 para reduzir as turbulências no mercado financeiro e garantir o respeito aos compromissos e contratos em caso de vitória nas eleições presidenciais daquele ano.
“A modernização da cúpula do PT foi mais breve (meses), que a dos tucanos (décadas), e saiu mais barata para o país. A social democracia de punhos de renda, então incubada no PMDB (NR: Guedes se refere às correntes que depois fundaram o PSDB e militavam no partido de Ulysses Guimarães) e em conhecidas universidades do Rio de Janeiro e de Campinas, patrocinou congelamento de preços, déficits fiscais, descontrole monetário, populismo cambial, moratória externa. Sabemos que eram então protecionistas e contra as privatizações.”
Segundo ele, o verdadeiro teste do acerto da política econômica do governo Lula, não viria nem dos críticos internos do PT, nem dos tucanos ressentidos.
Tampouco da direita (alô, alô Bolsonaro). “Também não virá de uma oposição à direita, pois esta sucumbiu eleitoralmente, em associação com o autoritarismo antes e a fisiologia agora”, afirma.
O julgamento final, na ótica de Guedes, seria definido por expectativas quanto ao regime fiscal futuro e à capacidade de pagamento da dívida, num quadro de agravamento do ambiente macroeconômico externo.
“Aí será possível perceber se as manobras e políticas do governo Lula são um simples jogo de espelhos ou um sinal confirmando a consolidação da Grande Sociedade Aberta em terra brasileira.”
Será que dá para Bolsonaro dormir tranquilo? Ou vai ter de trocar de Posto Ipiranga?
