
Aloizio Mercadante tem 64 anos, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e era o ministro da Educação quando Dilma Rousseff foi derrubada pela condomínio MDB-PSDB, num processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Filho de general, é economista pela USP e tem doutorado pela Unicamp.
O ex-ministro já foi candidato a vice-presidente com Lula, deputado federal, senador e ministro da Ciência e Tecnologia, além de ter assumido a Casa Civil, também sob Dilma.
Experiência não lhe falta e é com essa bagagem que ele analisou, nesta entrevista ao DCM, a gestão do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação.
Em um palavra, Mercadante define as ações do ministro voltadas à área: irrelevantes.
Já como polemista, Vélez Rodríguez tem se destacado. A última controvérsia foi gerada em um encontro na presença do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Ele falou em lançar “Lava Jato da Educação”. Nos minutos seguintes, caíram as ações da Kroton e da Estácio, gigantes privadas do setor educacional.
A seguir, o balanço do desastre, feito por quem entende de Educação:
Diário do Centro do Mundo: Ministro Vélez Rodríguez foi acusado nas redes sociais de colocar em seu currículo a coautoria de um suposto livro escrito em conjunto com o pensador e político francês Alexis de Tocqueville, morto no século 19. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Aloizio Mercadante: Ele deveria esclarecer, como todo gestor público, essa informação que é completamente indevida para a função dele.
DCM: Sendo ex-ministro da Educação, como o senhor avalia outras declarações de Vélez Rodríguez, por exemplo a de que os brasileiros são “ladrões” quando viajam e são “canibais”?
Mercadante: É absolutamente grave ele afirmar essas coisas sendo um colombiano que foi acolhido de forma generosa pelo Brasil. Vélez Rodríguez teve espaço para sua formação aqui, trabalhou recebendo salário que são pagos pelos impostos da população brasileira.
A acusação que ele nos faz é absolutamente descabida, improcedente e inaceitável. Inclusive, a ministra Rosa Weber, em razão de uma ação popular que foi impetrada contra ele, exigiu esclarecimentos. Ele deve se explicar.
A Constituição Brasileira veda esse tipo de atitude por parte de estrangeiros, residentes do país ou que se dirigem a ele. Isso é lamentável.
Porque um ministro da Educação deve ter uma atitude que professe pela educação, uma atitude educadora. Ele deve ter uma atitude ponderada, equilibrada, construindo valores que contribuam para a cidadania e para a vida em sociedade. É lamentável.
DCM: Quais são os maiores retrocessos, na sua opinião, no MEC no governo Bolsonaro?
Mercadante: No MEC, o maior retrocesso é a falta de foco. O Plano Nacional de Educação que estabelece 20 macrometas para todas as áreas estratégicas dessa área e decide uma série de encaminhamentos foi totalmente desconsiderado como uma bússola de uma lei complementar que foi aprovada no Congresso Nacional. O ministro Vélez Rodríguez sequer faz menções às metas ou ao PNE.
O foco do ministro de Bolsonaro é o combate contra a chamada “cultura marxista” dentro de uma visão totalmente
Aloizio Mercadante tem 64 anos, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e era o ministro da Educação quando Dilma Rousseff foi derrubada pela condomínio MDB-PSDB, num processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Filho de general, é economista pela USP e tem doutorado pela Unicamp.
O ex-ministro já foi candidato a vice-presidente com Lula, deputado federal, senador e ministro da Ciência e Tecnologia, além de ter assumido a Casa Civil também sob Dilma.
Experiência não lhe falta e é com essa bagagem que ele analisou, nesta entrevista ao DCM, a gestão do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação.
Em um palavra, Mercadante define as ações do ministro voltadas à área: irrelevantes.
Já como polemista, Vélez Rodríguez tem se destacado. A última controvérsia foi gerada em um encontro na presença do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Ele falou em lançar “Lava Jato da Educação”. Nos minutos seguintes, caíram as ações da Kroton e da Estácio, gigantes privadas do setor educacional.
A seguir, o balanço do desastre, na opinião de quem entende de Educação:
Diário do Centro do Mundo: Ministro Vélez Rodríguez foi acusado nas redes sociais de colocar em seu currículo a coautoria de um suposto livro escrito em conjunto com o pensador e político francês Alexis de Tocqueville, morto no século 19. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Aloizio Mercadante: Ele deveria esclarecer, como todo gestor público, essa informação que é completamente indevida para a função dele.
DCM: Sendo ex-ministro da Educação, como o senhor avalia outras declarações de Vélez Rodríguez, por exemplo a de que os brasileiros são “ladrões” quando viajam e são “canibais”?
Mercadante: É absolutamente grave ele afirmar essas coisas sendo um colombiano que foi acolhido de forma generosa pelo Brasil. Vélez Rodríguez teve espaço para sua formação aqui, trabalhou recebendo salário que são pagos pelos impostos da população brasileira.
A acusação que ele nos faz é absolutamente descabida, improcedente e inaceitável. Inclusive, a ministra Rosa Weber, em razão de uma ação popular que foi impetrada contra ele, exigiu esclarecimentos. Ele deve se explicar.
A Constituição Brasileira veda esse tipo de atitude por parte de estrangeiros, residentes do país ou que se dirigem a ele. Isso é lamentável.
Porque um ministro da Educação deve ter uma atitude que professe pela educação, uma atitude educadora. Ele deve ter uma atitude ponderada, equilibrada, construindo valores que contribuam para a cidadania e para a vida em sociedade. É lamentável.
DCM: Quais são os maiores retrocessos, na sua opinião, no MEC no governo Bolsonaro?
Mercadante: No MEC, o maior retrocesso é a falta de foco. O Plano Nacional de Educação que estabelece 20 macrometas para todas as áreas estratégicas dessa área e decide uma série de encaminhamentos foi totalmente desconsiderado como uma bússola de uma lei complementar que foi aprovada no Congresso Nacional. O ministro Vélez Rodríguez sequer faz menções às metas ou ao PNE.
O foco do ministro de Bolsonaro é o combate contra a chamada “cultura marxista” dentro de uma visão totalmente ideologizada, retrógrada, obscurantista, a ponto de defender valores como a monarquia, ditadura militar e coisas que não têm o menor cabimento por parte de um titular da pasta de Educação.
Ele deveria ter como prioridade a formação dos professores, a qualificação dos professores, consolidar e ampliar o acesso aos meios educacionais em todos os níveis. Ele deveria assegurar cursos para que a gente aumentasse o investimento num ensino público, como fizemos no caso dos royalties do petróleo.
Vélez Rodríguez não apresentou até agora uma iniciativa pedagógica ou de política educacional que seja relevante. Ao contrário: há sérias ameaças que pairam sob as atitudes dessa nova equipe.
Entre elas, há a atitude do secretário da regulação do ensino superior de dizer que liberar a criação de cursos. Há uma série de avaliações que permitem dar uma nota até cinco e regularizar tanto a abertura quanto o fechamento de cursos superiores. Esse trabalho imprescindível do Estado brasileiro para incutir qualidade no ensino está prejudicado. O Fies, o ProUni e outros programas estão diretamente vinculados nessas notas.
Você não pode comprometer esse sistema de avaliação e permitir que os empresários do setor da educação criem as vagas que quiserem com o único interesse comercial, sem nenhum compromisso com a qualidade do curso ou com o corpo docente, com as condições pedagógicas. Os relatórios de avaliação são indispensáveis, como Enade, e o Estado não pode se abster dessa função.
Isso não é vender sabonete. E é difícil de aceitar esse tipo de visão no MEC, depois de tantos anos de luta.
DCM: Por qual razão a Educação é um alvo fácil neste novo governo? É a “guerra cultural” de Olavo de Carvalho?
Mercadante: Em matérias recentes que vemos na imprensa, os secretários de educação nos estados estão muito preocupados com a falta de rumo, iniciativa, ausência de propostas pedagógicas, militarização dos colégios. No caso da militarização, isso é um nicho específico de jovens que têm vocação para carreira militar.
Você tem excelentes padrões educacionais nos institutos federais. Se você pegar o PISA, que tem uma avaliação da OCDE no ensino, esses institutos tiraram segundo lugar em linguagem, décimo primeiro em ciências e 52º lugar em matemática. Foram os melhores resultados na América Latina, levando em conta que são instituições públicas.
Existem, portanto, padrões para estimular a qualidade que não são a militarização. Essa é uma visão retrógrada. Escola militar é de nicho e não pode ser imposta sem nenhum tipo de mediação.
Manifesto, portanto, preocupação com essa perspectiva, enquanto temos mais de 10 milhões de livros didáticos que ainda não foram distribuídos. Isso sim começa a prejudicar na ponta a qualidade da educação.
Há também o desrespeito com o princípio do reitor mais votado, violando a autonomia universitária, além da propensão para adesão da Escola Sem Partido perseguindo a atividade docente. Querem tentar impor uma ideologia através desse tipo de procedimento obscurantista, o que viola a Constituição brasileira, além de violar toda a tradição secular de autonomia científica, acadêmica, pedagógica, de liberdade de expressão e de manifestação nas escolas.
Todas essas questões trazem inquietação, incômodo e mobilização contra uma visão teológico-obscurantista para a educação brasileira.
DCM: Qual foi o maior erro do governo Bolsonaro até este momento?
Mercadante: Educação precisa ser entendida como política de Estado. Precisa haver uma continuidade. Precisa herdar as boas iniciativas e levá-las adiante quando recebe de gestões anteriores. Deve-se também corrigir soluções.
Agora o que estamos vendo não é nada disso. É uma tentativa de ideologização descabida, que não é pra ter no MEC, contra princípios essenciais da vida democrática, da liberdade de expressão e de pensamento. Na Educação, seguramente, existe uma ameaça intolerável desse novo governo.
DCM: Como o PT pode pautar a discussão na educação?
Mercadante: Temos entidades docentes, estudantis, colegiado dos reitores, das universidades públicas, dos institutos federais, de outras entidades, que agregam pesquisadores, estudantes de pós-graduação, pedagogos, educadores e eu tenho sentido que já há uma ampla mobilização para impedir esses retrocessos e restabelecer as políticas de Estado que já estão desenhadas, definidas no PNE.
O PT vai fazer parte, com outros partidos de esquerda, com a resistência democrática e até com forças de fora da esquerda, reunir quem entende que essas políticas de Estado são o melhor caminho pro Brasil.
DCM: Como a opinião pública pode evitar a aprovação do projeto Escola Sem Partido e de similares?
Mercadante: Não só a opinião pública, mas partidos políticos e representantes da sociedade civil precisam buscar evitar essa ameaça à liberdade docente e de expressão, da liberdade de atividade de cátedra. Por exemplo: o ministro Fachin recentemente suspendeu a ação de uma parlamentar (Ana Campagnolo, do PSL) de tentar intimidar os professores.
O Supremo proibiu essa Escola Sem Partido, assim como proibiu por unanimidade, na época das eleições, a polícia de entrar nos campus para ameaçar e intimidar estudantes envolvendo atividades de debate político. Isso foi uma vitória muito forte e foi muito simbólico para segurar a liberdade acadêmica nas instituições.
Temos que ficar vigilantes quanto às ações no parlamento e entrar com os recursos jurídicos. É necessária também a mobilização estudantil e docente para evitar os retrocessos de fato.
DCM: Isso pode mudar?
Mercadante: A educação no Brasil precisa ser vista de uma maneira sistêmica, com políticas complementares e integradas. Tem que se pensar da creche até a pós-graduação. Esse foi o esforço até aqui.
Afirmações como “universidade não é pra todos” não faz sentido. Principalmente num país em que muitos jovens ainda vão trabalhar como motorista de Uber e com serviços sem formação. O Brasil só tem 18% dos seus jovens formados. A Coreia tem 71%. Canadá 61%. Japão 60%. Nenhum país rico no mundo tem menos de 30%. Entre os países da OCDE, a média é 40%.
Temos um imenso esforço a fazer na educação superior, assim como no ensino médio, que pode ser técnico e profissionalizante.
Todos nós temos que ter o direito de sonhar ao se formar e se educar a vida toda. Uma sociedade do conhecimento, que vive a indústria 4.0, cada vez com mais tecnologia, inovação e ciência exige a educação como algo imprescindível.
É imprescindível para um país e é assim que ela deve ser vista.
Defender cotas, inclusão de negros, pobres e indígenas na educação, era uma forma de desafiar o “apartheid educacional”, promovendo mais integração no Brasil. Tenho certeza que a comunidade vai se voltar contra as tentativas de retroceder nesses avanços nesse governo.