
Certa vez, quando era diretor de redação da Exame, recebi uma carta de Evandro Carlos de Andrade. Na época, Evandro era diretor de telejornalismo da Globo. Ele tinha sido diretor do Globo, e fora deslocado para a tevê quando se imaginou que jornalistas da mídia impressa poderiam aumentar a qualidade do telejornalismo.
Evandro costumava responder a críticas em outras mídias ele mesmo.
Nós, na Exame, tínhamos publicado um texto que mostrava que notícia, na TV Globo, muitas vezes estava associada à cobertura da própria Globo, sobretudo nos esportes. Especificamente, como a Globo não tranmitia os jogos do Mundial de Clubes afinal vencido pelo Corinthians, o torneio era ignorado, como se não fosse notícia. Demorou para a Globo entender que, mesmo sem transmitir o torneio, ele virara notícia.
Quanto Evandro, morto em 2001, é admirado na Globo pude testemunhar nos tempos em que trabalhei na empresa. Roberto Marinho o chamava de “energúmeno”. Carinhosamente. Energúmeno, em sua acepção pura, é alguém nervoso, agitado, inquieto, não um mentecapto. Um possesso, enfim. Um possesso papista. Na biografia de Roberto Marinho escrita por Pedro Bial está dito que Evandro avisou a Roberto Marinho, quando este o sondou para editar O Globo, que era papista. O papa Roberto Marinho mandou, está mandado. O papismo alavanca muitas carreiras seculares.
O hábito de Evandro de responder a críticas ficou.
Na Folha de hoje, Ali Kamel, diretor do telejornalismo, reclama de um texto que disse que a TV Globo se alinhou com o Estado na cobertura do combate ao tráfico.
Kamel diz que não.
O que é inegável é o erro no tom e na quantidade. Houve uma glorificação da polícia e uma satanização dos traficantes. E uma dose insuportável de imagens. A Globonews, especificamente, ultrapassou todos os limites do bom senso.
Traficante era simplesmente “bandido” para os repórteres e os locutores da Globo. Para mim, havia ecos de Maluf falando dos “bandidos”, algumas décadas atrás.
Há um pêndulo perigoso aí. Durante muitos anos, os criminosos foram tratados com condescendência no Brasil. Eram vítimas, e não agressores. Você parecia ter a obrigação de se desculpar diante de quem roubasse você. Era um erro.
Agora é o contrário. Bandido bom é bandido morto. Também está errado.
Toda essa parafernália militar será inútil se em locais como o Complexo do Alemão o Estado não levar civilização, e não apenas tanques. Escolas, farmácias, bancos.
Quando a policiais viram astros pop na tevê é porque alguma coisa está errada na sociedade.