
O jornalista Luis Nassif lançou no dia 23 de abril a biografia “Walther Moreira Salles”. Trabalho que ele desenvolve desde os anos 90, conta a história do banqueiro que tinha uma visão de Brasil muito diferente do empresariado do século 21.
Além do trabalho como jornalista e pesquisador, Nassif toca bandolim no Bar do Alemão às segundas-feiras. “É o meu momento de equilíbrio”, ele explica, considerando que também é especialista em chorinho.
Para além da música e da cerveja, o DCM entrevistou o jornalista sobre a Operação Lava Jato, e o cenário que opõe empresários entreguistas aos desenvolvimentistas. Também falou sobre a primeira entrevista de Lula após sua prisão.
Diário do Centro do Mundo: Qual sua avaliação sobre a primeira entrevista do ex-presidente Lula depois da prisão? Bateu forte na Lava Jato?
Luis Nassif: Ponto central que ele coloca, depois de anos e anos de destruição da sua imagem, é que continua sendo o político mais popular do país. A capacidade dele de pensar o país é imbatível perante outros grandes políticos.
Perante o Bolsonaro, a diferença entre os dois fica muito grande.
DCM: Ele não foi muito leve com o Bolsonaro? Não bateu muito na Lava Jato?
LN: É. O Bolsonaro é um subproduto. Todo esse esquema de bolsonarismo tem como base Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e a Lava Jato. O Lula, que tem essa visão certeira, vai em quem de fato tem a visão autoritária no Brasil. Bolsonaro é um doente que estava no lugar certo, no momento certo e que tomou a facada na hora errada.
DCM: Você fez, junto com o jornalista Joaquim de Carvalho, o documentário sobre a “Indústria da Delação Premiada”. E vai soltar novas matérias sobre isso. Da Lava Jato que acusa primeiro…
LN: Sim. A gente soltou uma matéria no GGN que se criou um padrão lançado nos Estados Unidos, numa seção dentro do Departamento de Justiça, para tratar de crimes políticos. E para influência política, eles blindaram 36 procuradores e deram todo o poder para eles.
Lá atrás começaram os abusos. Os cursos que o Departamento de Justiça bancou pra Justiça brasileira tem como origem nos abusos desses procuradores. O que eles faziam?
Delação premiada, terrorismo em cima de testemunhas, abusos de toda ordem. Quando ia para as instâncias superiores, ao contrário do Brasil, começavam os questionamentos.
Com os abusos, eles [os procuradores] saíam dos casos e iam para famosos escritórios de advocacia.
DCM: É como o caso que vocês mostraram no documentário sobre a relação de Moro com a esposa e o [Carlos] Zuccolotto, acusado de negociar delações.
LN: São os 2,5 bilhões de reais que eles negociam para um fundo, para compliance. Essa é a maior corrupção que existe no Brasil hoje. O compliance não tem segredo. Você pega uma empresa, mapeia os processos e define as instâncias de autorização de despesa.
Banco do Brasil tem isso. BNDES tem isso. Para a Petrobras, a [ex-ministra] Ellen Gracie contratou um escritório americano por 300 milhões de dólares. Vai pra Eletrobras e contrata um maior. Isso é corrupção pura! Não tem nada que justifique esse valor.
DCM: Tira-se dinheiro do Brasil para aplicar no exterior, certo?
LN: Entregam pro setor privado nos Estados Unidos. Não tem o que justifique o compliance.
Quando começou a internet, tinham as bolhas empresariais. Sempre que você tem setores novos que são mais difíceis de se precificar no início, fazem todo o tipo de sacanagem. Se você pega o começo de 2000, a Verônica Serra e toda a lavagem de dinheiro de seu pai passava por essas bolhas.
Fazem isso porque você não pode precificar.
No caso do compliance, como as empresas estão apavoradas com perseguições jurídicas, especialmente no caso das estatais, eles fazem contratos que não têm justificativa. É o mesmo esquema de lavagem de dinheiro que existia com a bolha da internet. Nada justifica mais de 200 milhões de dólares por compliance, mesmo uma empresa grande como a Petrobras. É necessário desvendar isso junto com os escritórios de advocacia.
DCM: Você publicou agora uma biografia do banqueiro Walther Moreira Salles, que estava sendo preparada desde os anos 90. Com o esquema montado pela Lava Jato, é difícil encontrar empresários nacionalistas como é o doutor Walther em seu livro?
LN: No meio empresarial isso não existe mais. Mas não foi só a Lava Jato que destruiu essa consciência. Isso vem de antes.
DCM: Da época do Fernando Henrique? Com as privatizações?
LN: Do Fernando Henrique Cardoso e do próprio Lula. Lula e Dilma fortalecem muito setores da economia que, com o câmbio desvalorizado, vem a Lava Jato e arrebenta. Os grandes capitães de indústria que tivemos, como Gerdau, Paulo Cunha, desapareceram politicamente. Hoje você tem Skaf.
Quando você tem a abertura da economia, muitas empresas foram vendidas e os donos viraram investidores. Você pega o Pedro Passos da Natura, que é uma baita empresa, e ele faz o discurso da “lição de casa” que é o mesmo padrão do Paulo Guedes. As lideranças que batalhavam pelo conteúdo nacional vão levar um tempo pra se refazer. Vai ser difícil reconstruir.
DCM: A reforma da Previdência de Bolsonaro travou. Mourão assumindo, acelera?
LN: Não sei. O Mourão tá com um discurso que eu não sei se ele está disfarçando agora. Fora do poder, nos clubes militares, o general era um incendiário. No poder, o vice entendeu a construção da política. Você não pode matar adversário. Tem que dar espaço pra adversário.
Os abusos que rolam hoje em relação à mídia, além da Funai e outros órgãos, não ocorreram com Dilma e Lula. Existia espaço pra oposição. Sindicatos eram respeitados e diálogos eram feitos. Bolsonaro jamais vai ter essa capacidade, ao contrário de Mourão, pelo que parece.
DCM: A Fiesp já aplaudiu o general vice…
LN: Pois é. Os empresários perceberam que o Bolsonaro é um tiro no pé absoluto. O Mourão demonstra uma responsabilidade de Estado de um político que tínhamos antes. Ele vai acabar assumindo porque o Bolsonaro é muito louco.
DCM: Voltando pra Lava Jato. O objetivo de Moro vai ser se candidatar, tentar o Supremo, que é “ganhar na loteria” para ele?
LN: Ele é muito limitado, especialmente agora sem ter aquela blindagem que a mídia dava. É muito limitado. Baixa instrução, baixo carisma e ele foi pelos ventos.
A mídia criou um “mito” que não corresponde aos fatos. Podemos ver o deslumbramento de sua esposa no caso Zuccolotto.
A mediocridade da política brasileira anda alta. Eles destruíram esse espaço. Joaquim Barbosa é um que ia crescer antes, mas tem uma formação sem comparação com Sérgio Moro. Eles não têm consciência do que é a política. É a arte da negociação, como falou o Lula.
Essa negociação era pra ter ocorrido se o Aécio Neves não fosse um louco varrido. Se a mídia não tivesse criado esse monstro que é a Lava Jato.
DCM: Mesmo que Moro não concorra, Gebran quer os Supremo. Dallagnol quer a PGR. Eles querem aparelhar o Estado, certo?
LN: Sim, sim, sim. A ultra direita hoje está nesse grupo. MBL está com Moro, Dallagnol e os três do TRF-4.
O voto que os três desembargadores deram na segunda instância do processo do Lula foi vergonhoso. Moro puxou o processo pra 2009 pegando o Lula na presidência e dando a pena máxima. Com o ex-presidente completando os 70 anos, a mesma pena poderia prescrever. No TRF-4, os três, conjuntamente lendo o voto, falaram a mesma coisa ampliando a pena o suficiente pra não ter prescrição.
Vai pro STJ e eles enxergam o absurdo. E puxam o processo pra 2014, quando Lula ainda tinha influência. É escandaloso.
Se fosse com o Fernando Henrique, com o Alckmin, estaria errado isso. A Justiça não pode fazer isso. Esses caras não têm respeito pela Justiça.
DCM: O pedido de prisão do Temer foi outro absurdo, certo?
LN: Outro absurdo. Teve o caso do advogado que pegou todas as delações do Marcelo Bretas no Rio e tem um procurador com seis meses de carreira. Como a gente mostrou no documentário junto com o DCM, uma multa de 15 milhões vira cinco. Pode esconder recursos fora do Brasil, como fizeram com a mulher do João Santana.Tudo isso foi usado pra manipular as delações.
Tem que haver um sistema honesto, não pessoas honestas. Eles desmoralizaram o combate à corrupção.
DCM: O bolsonarismo tem futuro, considerando figuras como Olavo de Carvalho?
LN: Tem vida curta. Esse pessoal não tem projeto. Esse é o ponto.
Paulo Guedes quer desmontar o Brasil e não tem nada pra colocar no lugar. Esse pessoal não tem ideia.
DCM: Nem a Lava Jato, não?
LN: Lava Jato é prende e arrebenta. E posa pra foto.
Eles têm o princípio de comandar a narrativa. Como se faz isso? Segura as informações, mexe e dá pra mídia dar a manchete. Se aparecer indícios de inocência do réu, esconda ou você será derrotado. Não é Justiça, é guerra de egos.
Na ditadura tinha o Simonsen, tinha os desenvolvimentistas. Hoje, nem isso.
Todo o negócio deles é: não pode aumentar imposto e tem que cortar despesa. Quando você corta aposentadoria, você corta consumo. O gasto do aposentado é o lucro da empresa que não aumenta.
DCM: Esse neoliberalismo agressivo se desenvolveu com a globalização americana? Esse caras não estão preocupados com o Brasil?
LN: Nem um pouco. No passado, no Rio de Janeiro, existia um interesse econômico muito amarrado aos capitais ingleses e franceses, chegando até o Juscelino [Kubitschek]. Era um capital escravagista, da economia real. Com a internacionalização do capital, estamos só com rentistas. Vi o caso do dono da Yázigi que acumulou um bilhão, vendeu a empresa e conseguiu três. Hoje até uma padaria tem isso.
O caso do Jorge Paulo Lemann tem isso.
DCM: O caso do Eike Batista também, não?
LN: O Eike era muito desorganizado e se deslumbrou, mas ele tinha um senso que o doutor Walther Salles tinha como empresário. Eike Batista investiu em portos e setores que precisavam, enquanto o Lemann não.
O padrão Lemann é um pessoal mal remunerado embaixo, participação em lucros e falta de investimento em inovação. E o empresário só entrou em setores antigos, como alimentação, caso Burger King, para não ter inovação. Isso foi derrotado nos Estados Unidos. Ele continua rico, mas o modelo dele ruiu.
Doutor Walther Salles ganhou muito dinheiro e soube investir. Isso é um aspecto positivo dos empresariado. Há setores que morrem e os que nascem. O capital financeiro precisa entrar nos que nascem. Foi em refinaria, rodovias e ele entendia a importância do pais.
Ele queria ser um grande empresário de um grande país.
Então a política, as negociações da dívida externa, importavam.

DCM: Senso de pertencimento ao país?
LN: Sim. Os interesses políticos e os empresariais se amarravam. Doutor Walther era um profundo democrata. A reconstrução disso, hoje, será difícil. Os militares na ditadura fizeram muita besteira, estourando a dívida com o estouro dos preços do petróleo, mas havia indústria.
De lá pra cá isso se perdeu. O Collor tinha um economista chamado Júlio Mourão que foi muito mais importante do que André Lara Rezende, Pérsio Arida e ninguém conhece. Ele tinha um processo gradual de abertura da economia para manter as empresas brasileiras competitivas internacionalmente.
Isso foi totalmente atropelado pelo Plano Real. Não recuperamos a indústria. Governos depois apostaram muito nas empreiteiras, que se transformaram no centro da inovação.
Vem a Lava Jato, acaba com esse processo e com a engenharia nacional.
Tem que ter uma CPI pra saber o que a Ellen Gracie, o Pedro Parente e esse pessoal fizeram com a Petrobras. Eles ficaram com dinheiro pro fundo “Criança Esperança”.
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Veja os vídeos com Nassif. Em um, ele dá entrevista. No outro, toca bandolim.