
Ela era conhecida como Agente Eclesiastes. Tinha pouco mais de 20 anos quando os alemães estavam bombardeando a Inglaterra, na Segunda Guerra. Era linda, glamurosa e, consequentemente, irresistível.
Uma espiã à altura dos filmes de Bond. James Bond.
Estava estacionada em Lisboa, onde seduziu um militar alemão. Passava a ele informações erradas sobre os estragos causados pelas bombas alemãs. O objetivo era confundir os agressores. Ela afirmou que Piccadilly Circus e Leicester Square – duas glórias do centro de Londres – tinham sido destruídos.
Eclasiastes era controlada pelo pai do ator Peter Ustinov, que era um chefão do MI5. Um dia o alemão que ela enganava mostrou a ela cópias de papéis que ela lhe tinha passado. Disse que daria um jeito de encaminhá-los aos ingleses caso ela o traísse. Eclecíastes levou a história para Ustinov. “É para vocês ficarem sabendo de que lado estou”, avisou.
Eclesiastes é personagem de um dos livros mais comentados do ano na Inglaterra: a história oficial do MI6, o serviço secreto britânico. Pega o período entre 1906 e 1949. E foi escrito por um historiador, o professor universitário Keith Jeffery. O MI6 abriu seus arquivos a Jeffery, num gesto de transparência radical. O fundador do MI6, Mansfield Cumming, descreveu seu primeiro dia ali no diário que mantinha: “Fui para o escritório, e fiquei o dia inteiro. Mas não vi ninguém, e nem tive nada para fazer.”
Eclesiastes é a figura favorita de Jeffery.
A ela se contrapõe o maior espião duplo da história, Kim Philby. Philby, um homem de esquerda, fez carreira brilhante no serviço secreto inglês. Mas logo foi recrutado pelos russos. Era uma época em que o mundo parecia estar dividido entre o comunismo e o fascismo. As democracias clássicas passavam por uma crise existencial fortíssima. Muita gente, na Inglaterra liberal, admirava nos anos 30 a firmeza jovem de Hitler – e lamentava a administração anciã que dominava os britânicos.
Philby acabou descoberto, mas teve tempo de fugir para Moscou, onde viveu até a morte. Não virou uma unanimidade negativa entre os ingleses. O escritor Graham Greene permaneceu seu amigo até o fim. Citava-o com admiração, e o usou como inspiração em romances de espionagem.
Em Philby Greene enxergou o dilema que pode dominar um homem dividido entre suas convicções e sua pátria.Greene ficava com as convicções. Assim como Philby.O MI6, como mostra o livro, nasceu em 1909 de uma obsessão dos ingleses que se revelaria certíssima: os alemães. Nos anos seguintes, alemães e ingleses se matariam em grande escala. Não é à toa que a primeira-ministra Margareth Thatcher se opôs à reunificação das Alemanhas, quando o assunto chegou a ela no fim dos anos 1980, com a seguinte frase: “Lá vem os alemães de novo!”