Em reportagem sobre os hackers, Globo publica ameaça velada ao jornalista Glenn Greenwald

Atualizado em 29 de julho de 2019 às 11:40
Sérgio Moro e Glenn Greenwald. Foto: Wikimedia Commons

A reportagem do Fantástico deste domingo sobre os supostos hackers termina com uma ameaça velada a Glenn Greenwald.

Segundo o texto lido pela repórter, Glenn poderia ser enquadrado no Código Penal. A jornalista fez a afirmação sem citar o nome do jornalista, mas a conclusão é evidente.

Quando falava sobre as consequências jurídicas do caso, comentou:

“No fim do inquérito, os suspeitos poderão responder por organização criminosa, invasão de dispositivo eletrônico e interceptação telefônica ilegal”, disse.

Na sequência, informou que o jurista Eduardo Mendonça entende que quem guarda, conscientemente, “arquivos e documentos obtidos de forma criminosa pode ser considerado cúmplice do crime”.

Diz ainda:

“O jurista explica que o Código Penal define que quem colabora de qualquer forma para o crime é cúmplice e que a medida da colaboração definirá a dimensão da culpabilidade”.

Estranhamente, a reportagem não dá voz ao advogado. Apenas mostra sua imagem, em apoio ao texto lido pela repórter.

Glenn se enquadraria na definição do que teria dito Eduardo Mendonça se se considerar que ele manteria sob sua guarda os arquivos capturados pelos supostos hackers.

O que a Globo ignora é que a Constituição Federal assegura o direito à liberdade de expressão e, particularmente, protege a atividade jornalística, no artigo 220:

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Mas esta informação passa longe da reportagem da Globo, que ecoa Jair Bolsonaro, em sua manifestação sobre o caso, feita no sábado.

Ignorando o texto constitucional, Bolsonaro foi mais explícito que a Globo na ameaça ao jornalista, ao dizer que ele poderia “pegar uma cana” no Brasil.

Perguntado se uma portaria editada por Sergio Moro, a 666, poderia levar à deportação de Glenn Greenwald, Bolsonaro afirmou:

“Tem nada a ver com o caso desse Glenn não sei o quê aí. Tem nada a ver com o caso dele. Tanto é que não se encaixa na portaria o crime que ele tá cometendo.”

Que crime?

A ofensiva bolsonarista atinge não apenas o jornalista norte-americano, mas coloca em risco a liberdade de imprensa, o que torna particularmente importante o ato convocado pela Associação Brasil de Imprensa para amanhã, às 18h30, na sede da entidade, no Rio de Janeiro.

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com