Intercept omite o nome do jornalista que fez o papel de ganso da Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 29 de agosto de 2019 às 12:37
Dallagnol, no celular

A Vaza Jato pisou hoje em um terreno delicado para jornalistas e mostrou que o corporativismo é forte não apenas no Ministério Público Federal, mas também no jornalismo.

O Intercept protegeu com tarja preta o nome do jornalista para quem Deltan Dallagnol vazou informação sobre investigação em curso.

Era o caso da suposta ajuda de autoridades americanas para prender um investigado da Lava Jato, Bernardo Schiller Freiburghaus.

Bernardo era apresentado como doleiro da Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada  pelo então juiz Sergio Moro, em junho de 2015.

Na conversa com o jornalista preservado pelo Intercept, Deltan Dallagnol crava que Bernardo era operador da Odebrecht e conta que ele está na Suíça.

“Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC (Paulo Roberto Costa). Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã, mantendo meu nome em off?”, pergunta Dallagnol.

O repórter protegido responde: “Putz sensacional! !!!! Publico hj!!!!!!!!!!”

A reportagem foi para a manchete do jornal, assinada por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Jamil Chade, de Genebra, Júlia Affonso e Fausto Macedo.

Do ponto de vista do interesse público, não há justificativa para essa blindagem.

O leitor tem o direito de saber quem é o jornalista (ou jornalistas) com acesso privilegiado à força-tarefa e que publicou um relato que, hoje, se apresenta como duvidoso — para dizer o mínimo.

A Constituição garante o sigilo da fonte. Nessa caso, já se sabe quem é a fonte do vazamento — Deltan Dallagnol —, mas não há dispositivo legal para garantir o anonimato do jornalista.

Até porque isso não faz sentido, exceto pelo corporativismo.

É bom que se diga que jornalista não cometeu crime algum ao divulgar vazamentos. Mas revela  a proximidade entre jornalistas e a Lava Jato que precisa ser analisada.

A Lava Jato não teria força alguma se não tivesse essa aliança com a imprensa, claramente interessada em desestabilizar o governo da época, de Dilma Rousseff, e criar o ambiente para o impeachment.

Em outras palavras, não dá para contar a história da Lava Jato sem mencionar os jornais e os jornalistas que se prestaram a esse papel de “ganso” dos investigadores.

Ganso, na gíria policial, é a pessoa  que não é agente público e frequenta delegacias, acompanha investigações e frequentemente é usada para propósitos nem sempre lícitos.

Nesse caso, o homem apresentado como um perigoso doleiro continua vivendo livremente em Genebra, na Suíça, e pouco depois da reportagem do Estadão teve seu nome retirado do alerta vermelho da Interpol, dada a inconsistência da acusação que a Lava Jato lhe fazia.

Há cerca de um ano, quando ainda era juiz, Moro cancelou o mandado de prisão contra ele. Bernardo, no entanto, teve a reputação dele destruída pela manchete do jornal.

Só não foi preso porque as autoridades suíças ignoraram o pedido de investigação do Brasil.

“Eu não sou doleiro, apenas um gerente”, ele declarou na época. “Se eu tivesse de ser preso, muita gente na Suíça também teria de ser”, acrescentou.

No entanto, pelo diálogo vazado, Dallagnol declarou à sua fonte no Estadão — ops, a fonte era ele —, declarou ao jornalista que a Lava Jato planejava um espetáculo igual ao do FBI na Suíça, quando dirigentes da Fifa foram presos, incluindo José Maria Marin.

Exagero do procurador.

O que ele estava passando tem hoje a feição de uma fraude. Ao que tudo indica, Bernardo não era o perigoso doleiro que a Lava Jato indicava.

Vivia na Suíça porque seu pai era suíço e ele tinha passaporte suíço. Trabalhava lá.

E naturalmente não voltou ao Brasil pela razão óbvia de que, por aqui, depois da Lava Jato, já não vigora o princípio constitucional de que todos são inocentes até em prova em contrário.

Se desembarcasse no Brasil, seria preso, como tantos outros, e pressionado a construir um relato que atendesse às necessidades dos procuradores.

Na escola de Moro e Dallagnol, primeiro se prende, depois se verifica a procedência da acusação.

Sem a imprensa amiga, essa distorção do sistema penal não seria possível. E os procuradores têm plena consciência disso, como mostram os diálogos divulgados.

Em uma conversa com Deltan Dallagnol, Carlos Fernando dos Santos Lima chega a dizer que é preciso controlar a mídia de perto. Frise-se: controlar a mídia de perto.

Eles estão falando sobre O Estado de S. Paulo, mas Carlos Fernando diz que também tem controle sobre o jornal concorrente, a Folha de S. Paulo.

“Tenho um espaço na FSP, quem sabe possamos usar se precisar”, diz ele

É possível que Carlos Fernando tenha feito uma bravata.

Mas, ao se analisar o relacionamento da imprensa, a velha imprensa, com os procuradores de Curitiba, vê-se que esse controle pretendido por Carlos Fernando não está muito distante da realidade.

Os procuradores descobriram que é possível comprar jornalistas com informação — para estes, dinheiro não interessa.

Para o jornalista, não é errado, em princípio, fazer o jogo da fonte, desde que se saiba que toda informação esconde um interesse.

A autoridade pode até se iludir que tem controle sobre o jornalista. Mas a fonte descobrirá que se equivocou quando o jornalista, atendendo ao interesse público, narrar também as suas mazelas.

Na Lava Jato, há muitas.

Mas está faltando jornalistas na velha imprensa para contá-las.

Por enquanto, estes têm um comportamento que avaliza o comentário de Carlos Fernando: estão sob controle da Lava Jato.

Diálogo com tarja preta: a proteção ao jornalista não se justifica pelo critério do interesse público