
Marca de um presente embrutecido pela “inguinorânssa que astravanca o pogréssio” – como dizia Odorico Paraguaçu -, a censura vai bem, obrigado.
Ao tomar conhecimento de uma prova de Português que pedia análise de um texto de Gregório Duvivier, pais conservadores se revoltaram e o Colégio Loyola anulou o exame.
No Brasil bolsonarista, ‘tá tendo’ isso, sim.
Breve relato para quem não acompanhou: a crônica “Único jeito de não ficar triste é ficar puto” é um texto sobre a depressão e a raiva que têm se abatido sobre muitas pessoas em consequência desse desgoverno.
A professora de Português do 2º ano médio pediu que os alunos respondessem sobre anáforas, progressão do tema pelo autor e interpretação do texto. Simples assim.
Pais com o militarismo correndo nas veias, que viram “ideologia nisso daí, talkey”, foram tomar satisfação e o colégio, covardemente, recuou.
O gesto desprestigia a classe mais desprestigiada do país: professores.
Mas, no Brasil de 2019, ‘tá tendo’ luta também. Quase 500 alunos e ex-alunos assinaram uma carta de repúdio à censura e entregaram ao diretor da instituição.
A manifestação sensibilizou o humorista Duvivier, que se propôs a debater com a escola e agradecer aos alunos pessoalmente.
O Colégio Loyola é tradicional na capital mineira. Fundado em 1943 numa área nobre da cidade que era frequentada por artistas e intelectuais do movimento modernista.
A julgar pelo episódio com a prova, a vizinhança parece ter mudado muito.
Naquelas apresentações usuais de empresas, com textos abstratos em sua plenitude, para esclarecer aquilo que definem como missão, visão e valores, pode-se deparar com o seguinte trecho no site do Loyola:
“Postura acolhedora, expressa por meio do diálogo e da abertura ao outro, respeitando a dignidade de cada um, de modo que todos se responsabilizem mutuamente e aprendam uns com os outros.”
Será que o diretor do colégio tem ciência disso? Se tem, não anda praticando os tais ‘valores’ da instituição.
Não acolheu a professora, não parece disposto ao diálogo com o outro e menos ainda com ‘abertura’ (ah, esse termo que lembra uma “página infeliz de nossa história”, para citar um certo compositor premiado com o Camões).
O Colégio Loyola é jesuíta, com uma pedagogia inaciana baseada no cristianismo. O inaciano faz referência a Santo Inácio de Loyola, católico que, por reformista, foi perseguido, preso, acusado diversas vezes antes de fundar a Companhia de Jesus de caráter missionário.
Há um outro Inácio, senhor diretor, também perseguido e preso para que uma onda conservadora baseada no anti-intelectualismo, na aversão à cultura, às artes, à ciência fosse instalada. Procure saber.
“Uau! 450 alunos e ex-alunos do Loyola escreveram essa carta de repúdio. Obrigado mesmo. A escola já deve ter sido muito bacana para formar tanta gente crítica”, postou Duvivier nas redes sociais.
Antes de se deixar levar por pressões obscurantistas, o colégio certamente já formou alunos pensantes. Só precisa reler sua missão e valores que estão lá no site, senhor diretor, e manter-se religiosamente fiel aos princípios.