
As revelações do Jornal Nacional sobre o pedido do suposto assassino de Marielle para entrar na casa de Bolsonaro no dia do crime não surpreendem Geneviève Garrigos, chefe da Anistia Internacional França para as Américas.
A ativista aponta que essa informação se insere numa sequência de ligações reveladas entre os indivíduos presos e o atual presidente da República.
“O assassinato de Marielle Franco foi um ato premeditado e com a cumplicidade dos mais altos níveis”, afirma. Nesta entrevista para o DCM, ela critica os ataques de Bolsonaro à imprensa: “No lugar de reagir dessa forma, de novo, seria melhor fazer tudo que for possível para acelerar as investigações e sabermos finalmente quem são os mandantes do crime”.
Sobre a articulação de Bolsonaro e Moro para um novo depoimento do guarda do condomínio, ela apela para que as investigações não sejam federalizadas.
DCM: Como a senhora reage à revelação de que o suspeito de ter assassinado Marielle Franco pediu na portaria para ir à casa de Jair Bolsonaro no dia do crime para depois se encontrar com outro suspeito de envolvimento?
Geneviève Garrigos: De um lado, já havia informações similares de ligações justamente entre os assassinos e o imóvel onde mora Bolsonaro.
Para nós, isso mostra em primeiro lugar que desde o início nós sabíamos que o assassinato de Marielle Franco foi um ato premeditado e com a cumplicidade dos mais altos níveis, pois as câmeras haviam sido desligadas alguns dias antes, a investigação foi completamente sabotada, seja no colhimento de provas ou de depoimentos de testemunhas.
Precisamos ir muito além nas investigações. Na véspera do aniversário de um ano da morte de Marielle Franco, prenderam supostamente a pessoa que atirou e a que dirigia o carro.
Na época, já alertávamos para um aspecto: as investigações até aquele momento mostravam que haveria dois carros. Então a questão era localizar os dois veículos.
E acima de tudo, nós não sabemos quem encomendou o assassinato. Para nós é muito importante que se continuem as investigações. Há hoje uma nova pista e é necessário que tanto o governador e o procurador do Rio explorem essas pistas para saber o que elas são exatamente e que a investigação vá até o fim.
DCM: E como reage ao fato que à época Bolsonaro era um deputado federal e agora um presidente da República esteja possivelmente envolvido?
Geneviève: Ele está possivelmente envolvido. Há a presunção de inocência. Poderemos falar sobre isso caso venha a ser confirmado. Por enquanto, o que está claro é que não é porque Bolsonaro esteja citado na investigação que ela deva ser transferida para outros serviços de investigação e que a investigação pare aí. É fundamental que a investigação continue: por quê? Quem? Como?
DCM: Em relação à reportagem que traz essas revelações, Jair Bolsonaro chamou a TV Globo de “canalha”, disse se tratar de “patifaria”, que “atrapalha” seu trabalho de presidente e transforma sua vida num “inferno”. Como avalia essa reação?
Geneviève: Bolsonaro é chefe de Estado no Brasil. Ele não está lá para estigmatizar a imprensa. Se ele tem problemas com a TV Globo, isso pode ser resolvido de outro jeito, pois a estigmatização da imprensa que ele faz num país como o Brasil, sabemos bem a que isso pode levar.
Vimos em relação aos defensores (de direitos humanos), pessoas LGBT, povos indígenas. Isso coloca praticamente essas pessoas em perigo. No lugar de reagir dessa forma, de novo, seria melhor fazer tudo que for possível para acelerar as investigações e sabermos finalmente quem são os mandantes do crime.
Tudo isso não passa de uma cortina de fumaça. Ele tem que mobilizar os meios e recursos necessários para sabermos para elucidar as investigações. É um meio melhor de responder à Globo.
DCM: Quanto ao ministro da Justiça, Bolsonaro acionou-lhe para retomar o depoimento do guarda. Isso lhe parece correto?
Geneviève: Eu não sei como funciona o Direito no Brasil. O fato é que hoje as investigações estão nas mãos do procurador do Rio de Janeiro. A família de Marielle Franco e a de seu chauffeur pede justamente que as investigações não sejam federalizadas, que fique no estado do Rio de Janeiro por diferentes razões.
Primeiro, porque elas começaram no Rio, o processo está lá e todos os elementos estão lá. Eles temem que numa federalização do processo, tudo volte à estaca zero. Elementos poderiam desaparecer. E nós sabemos como foi difícil colhê-los. Terceiro ponto: a família e os advogados precisam saber como as investigações estão transcorrendo e no nível federal isso se tornaria muito mais opaco.
DCM: A senhora teria outras considerações a fazer?
Geneviève: Apenas que desde o início sabemos que foi premeditado, pelo tipo de arma, o tipo de munição utilizada, a sabotagem das investigações. Essas investigações são emblemáticas, visto a quantidade de pessoas que se sentem ameaçadas por suas opiniões, de suas divergências, com o poder atual.
É importante que a nível internacional, e é o que nós estamos fazendo na Anistia Internacional, continuar a mobilização para elucidar toda a verdade sobre esse assassinato, para que não apenas os que executaram o crime mas também os que o encomendaram sejam julgados pela justiça.