“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância”. Por Camila Nogueira

Atualizado em 25 de setembro de 2017 às 14:21
"O ideal do amor e da verdadeira generosidade é dar tudo de si, mas sempre sentir como se isso não houvesse lhe custado nada."
“O ideal do amor e da verdadeira generosidade é dar tudo de si, mas sempre sentir como se isso não houvesse lhe custado nada.”

A “entrevista” abaixo faz parte de nossa série “Conversas com Escritores Mortos”. A entrevistada é a escritora francesa Simone de Beauvoir (1908 – 1986).

Em seus livros, Madame de Beauvoir, a senhora defendeu os direitos das mulheres. O mundo em que vivemos lhe parece excessivamente machista?

Vivemos em um mundo patriarcal, e nenhuma das razões que me foram apresentadas para tanto parecem-me adequadas. A única maneira que nós mulheres temos de lidar com essa pretensa inferioridade feminina é a partir da destruição da superioridade masculina. Antes de mais nada, é necessário que saibamos que nós não nascemos mulheres – nós nos tornamos mulheres.

Hmmm…

Uma mulher deve ser livre para fazer o que bem entender de sua vida. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância.

Entendo.

Alguns definem os homens como seres humanos e as mulheres como fêmeas; e toda vez que uma mulher age como um ser humano é acusada de estar tentando imitar os homens. Dizem que é um mal da época em que vivemos, e que esse tipo de coisa se resolverá no futuro. Mas eu não quero esperar para ver. Mude sua vida hoje, esse é meu lema. Não aposte no futuro, aja agora, sem atraso. O fato de que todos somos seres humanos é muito mais importante do que todas as peculiaridades que diferenciam uma pessoa da outra.

E quanto à sua personalidade? Apesar de suas fortes convicções, a senhora foi uma pessoa fácil de lidar?

Na verdade, sou terrivelmente gananciosa – quero tudo da vida. Quero ser uma mulher e um homem, ter muitos amigos e ter momentos de solidão, trabalhar muito e escrever bons livros, viajar e me divertir, ser egoísta e altruísta… Seria difícil conseguir tudo o que quero. E quando não sou capaz de fazer tudo isso, fico louca de ódio.

A senhora foi uma escritora excepcionalmente talentosa. Queria escrever desde pequena?

Quando eu era criança e mesmo quando eu já era adolescente, os romances me salvaram do desespero; e isso serviu para convencer-me de que a cultura é o maior dos valores.

Hmmm…

No papel, você diz exatamente o que está sentindo. Como é fácil quebrar objetos no papel! Você odeia, você grita, você mata, você comete suicídio – você leva as coisas até o fim. E é por isso que é uma farsa. Mas é uma farsa muito satisfatória. Na vida, você está constantemente negando a si mesma, e os outros estão sempre te contradizendo. É por isso que considero escrever livros uma tarefa encantadora. No papel, faço com que o tempo pare e imponho minhas convicções para todo o mundo. Elas se tornam a única realidade.

Suponho que sim. Mudando de assunto, a senhora acredita que para uma mulher se emancipar ela deve recusar a ideia do amor e do casamento?

Estou mais disposta a negar a existência do espaço e do tempo do que admitir que o amor pode não ser eterno.

A senhora teve uma vida amorosa conturbada – um relacionamento longo com Jean-Paul Sartre e um número considerável de amantes de ambos os sexos. Perdoe-me a indiscrição, mas a senhora se importaria em nos contar o motivo pelo qual jamais se casou?

Porque sou inteligente, exigente e hábil demais para que qualquer pessoa tome conta de mim. Ninguém me conhece nem me ama completamente. Tenho apenas a mim mesma. Há poucos crimes que recebem um castigo pior do que este erro magnânimo: Colocar-se totalmente nas mãos do outro e, por isso, ficar à mercê dele.

E quanto às mulheres? A senhora considera a homossexualidade menos limitada do que a heterossexualidade?

Em si, a homossexualidade é tão limitada quanto a heterossexualidade – o ideal é ser capaz de amar um homem ou uma mulher sem sentir medo, repressão ou obrigação. O ideal do amor e da verdadeira generosidade é dar tudo de si, mas sempre sentir como se isso não houvesse lhe custado nada.

Mme. de Beauvoir? Clap clap clap!

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.