A campanha “Eu sou feliz sendo prostituta” não levou isso em consideração.
Uma campanha do Ministério da Saúde sobre doenças sexualmente transmissíveis divulgou um cartaz comemorativo no dia 2 de junho, anunciado como o Dia Internacional das Prostitutas. O slogan “Eu sou feliz sendo prostituta” causou a demissão da equipe de criação, que não teria pedido autorização para o ministro Padilha.
Essa polêmica é uma boa oportunidade para expor um problema maior: a necessidade de legalização da prostituição, que só não é aceita por causa de valores religiosos, o que é inconcebível em um estado laico.
A prostituição, em si, não é crime, mas não é uma conduta amparada legalmente, já que os profissionais do sexo não podem usufruir dos direitos trabalhistas cabíveis para qualquer trabalhador. Isso porque o Código Penal define vários crimes relacionados à prática, classificados sob o título genérico de “lenocínio”, que significa sua exploração ou favorecimento.
Dentre as velharias do código, é interessante observar que o chamado “rufianismo” incrimina aquele que é sustentado, ainda que parcialmente, por quem exerce a prostituição, mesmo que por decisão livre. Se uma pessoa que exerce a prostituição decide, com total liberdade, sustentar seu companheiro, por que a pessoa sustentada cometeria crime? Que direito seria lesado para justificar a criminalização?
A mesma indagação cabe para a “casa de prostituição”, que incrimina quem mantém “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”. Ofensa a que direito justifica a restrição da liberdade de uma pessoa que mantém um estabelecimento do gênero?
Para justificar essa proibição, sempre se usam argumentos como moralidade, ou, como gostam os malafaias e felicianos, a necessidade de preservação da família. Como se ainda tivéssemos um padrão familiar do começo do século XX e a sociedade não tenha avançado para outros modelos. Só uma visão arcaica ainda justifica se atribuir tanta importância à família – sobretudo aquela que tem como base o homem e a mulher que “vão viver sob o mesmo teto, até que a morte os una”, segundo a imagem cáustica de Chico Buarque, em “O Casamento dos Pequenos Burgueses”.

Mais que os valores tradicionais familiares, devem prevalecer os valores da liberdade, de modo que é injustificável a incriminação de uma conduta que não afete direitos relevantes de terceiros.
O que se verifica é um contexto que apenas desmoraliza nossas instituições. Todos sabem onde funcionam os prostíbulos, sob os mais variados nomes. Contudo, nenhuma repressão penal ocorre. A sociedade se desmoraliza ao fingir que não vê que a lei é desobedecida às claras. É a hipocrisia penal.
As consequências são nefastas. Primeiro, a marginalização de quem exerce a prostituição e é privado de direitos trabalhistas, já que sua profissão é ilegal. Estimula-se a prostituição na rua, abrindo oportunidade para a opressão daqueles que se valem da violência para receber dinheiro com isso.
Da ilegalidade também decorre a criminalidade secundária, especialmente a corrupção. Quem lucra com a proibição da prostituição é a banda corrupta da polícia e da administração pública em geral.
Por ser injustificável incriminar uma conduta que ofende estritamente valores religiosos ou morais, a legalização de prostíbulos é uma medida que diminuiria a corrupção – e traria para a legalidade um enorme contingente de pessoas que não afetam quaisquer direitos e vivem na marginalidade social.