Thompson Flores deveria ser afastado do caso do sítio de Atibaia

Atualizado em 10 de setembro de 2020 às 8:57

PUBLICADO NO JUSTIFICANDO

POR ROBERTO PORTUGAL DE BIAZZI

O artigo 6.1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos[1] assegura, assim como o artigo 8.1 do Pacto de São José da Costa Rica[2], o direito a um juiz ou tribunal independente e imparcial.

No julgamento do Caso Buscemi vs. Itália, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) afirmou “que as autoridades judiciais devem exercer a máxima discrição em relação aos casos com os quais lidam, a fim de preservar sua imagem como juízes imparciais. Essa discrição deve dissuadi-los de fazer uso da imprensa, mesmo quando provocados. São as exigências mais altas da justiça e a natureza elevada do ofício judicial que impõem esse dever. O Tribunal considera, como a Comissão fez, que o fato de o Presidente do Tribunal ter utilizado publicamente expressões que implicavam que ele já havia formado uma visão desfavorável do caso do recorrente antes de presidir o julgamento, é manifestamente incompatível com a imparcialidade exigida por qualquer tribunal. As declarações do presidente do tribunal justificavam objetivamente os temores do recorrente quanto à sua imparcialidade”[3].

Vale destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), à qual o Brasil se vincula por força do Decreto nº. 4.463/2002, acolhe a posição do TEDH quando o assunto é imparcialidade do juiz, inclusive com menção expressa a julgados da corte europeia a respeito. Por isso que, no julgamento do Caso Apitz Barbera e Outros vs. Venezuela, assentou-se que o “juiz deve não estar sujeito a influências indevidas, pressões, ameaças ou interferências, diretas ou indiretas, mas única e exclusivamente movido conforme e pelo Direito. E não basta que assim esteja apenas subjetivamente, é preciso que ele também pareça assim, de modo objetivo, aos olhos do demandado e da comunidade. Nessa lógica, a recusa não deve ser vista, destaca a Corte, necessariamente, como um julgamento sobre a retidão moral do recusado, mas como uma ferramenta que brinda confiança àqueles que estão submetidos à intervenção de órgãos que devem aparentar serem imparciais”[4].

Relativamente ao Ex-Presidente Lula, logo que condenado pelo então Juiz Federal Sérgio Moro no assim denominado Caso Triplex, o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Desembargador Federal Thompson Flores, externou à imprensa sua convicção de que a sentença era “irrepreensível”, “irretocável”[5]. Não bastasse isso, pontuou que a defesa de Lula seria teria sido “exaltada, em algumas situações”. É importante anotar que, já naquele momento, suas declarações exigiam redobrada cautela, não só pela função que ocupava, como porque havia a possibilidade concreta de ele vir a receber eventuais recursos especial e extraordinário de Lula para, na qualidade de presidente da corte, realizar o exame de admissibilidade recursal.

Mais recentemente, referido Desembargador Federal deixou a presidência do TRF-4 e passou a compor justamente a 8ª Turma da Corte, preventa para julgar os feitos conexos à Operação Lava Jato, substituindo a cadeira até então ocupada pelo Desembargador Federal Victor Laus[6]. Vale dizer, desde que assumiu o assento, Thompson Flores estava ainda mais suscetível a participar do julgamento de eventuais recursos de Lula.

Pois foi justamente o que aconteceu: ontem, dia 27 de novembro de 2019, foi levado a julgamento o recurso de apelação do Ex-Presidente Lula, referente ao Caso Sítio de Atibaia, igualmente inserido no contexto ou conexo à Operação Lava Jato e, portanto, ao Caso Triplex, inclusive de modo a justificar a alegada prevenção do juízo. Neste contexto, o Desembargador Federal Thompson Flores votou no sentido de acompanhar o relator para não apenas manter a condenação de Lula, como também para exasperar sua pena ao patamar de 17 (dezessete) anos de reclusão, em regime inicial fechado[7].

Seguíssemos os padrões mínimos estabelecidos pelas cortes internacionais no que diz respeito à imparcialidade judicial, o Des. Fed. Thompson Flores teria sido imediatamente afastado da causa por suspeição. Aliás, o precedente acima mencionado do TEDH trata de situação praticamente idêntica, revelando-se extremamente claro neste sentido.

Até se poderia argumentar que a entrevista concedida pelo então Presidente do TRF-4 tratou especificamente do Caso Triplex, razão pela qual não haveria que se falar em suspeição no caso levado a julgamento ontem, referente ao sítio de Atibaia. Muito embora tal fato realmente não possa ser desconsiderado, deve-se salientar que a fala externada à época revela muito mais uma suspeita de parcialidade no que se refere à falta de equidistância entre as partes do que propriamente ao objeto do processo.

Outrossim, o próprio Superior Tribunal de Justiça possui precedente no sentido de estender o reconhecimento da suspeição por fundado receio de parcialidade a processos conexos[8], tal qual ocorre nos casos Triplex e Sítio de Atibaia, ambos inseridos no contexto da Operação Lava Jato. Realmente, essa solução se mostra a mais adequada para evitar uma violação à garantia da imparcialidade do juiz ou tribunal, impedindo dúvidas às partes ou à sociedade da confiabilidade do julgamento.

Enfim, apesar de o Caso Lula como um todo estar permeado de inúmeras situações que ensejam pertinentes questionamentos acerca da quebra de imparcialidade[9], não é de se olvidar que, também no julgamento ocorrido ontem, houve nulidade absoluta ante a participação de magistrado suspeito.

Roberto Portugal de Biazi é Mestrando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da USP, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas e Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra