A cidade onde Bolsonaro morou quando criança agoniza com a contaminação deixada por um garimpeiro. Por Caique Lima

Atualizado em 22 de fevereiro de 2020 às 16:46
Alto da Plumbum, com vista da Vila Operária e fábrica serpenteadas pelo Rio Ribeira. Foto: Arquivo Pessoal/Osni Oliveira

No nordeste do Paraná, uma mineradora explorou chumbo por 57 anos numa cidade com pouco mais de 1.000 km², localizada a cerca de 134 km de Curitiba.

Adrianópolis, cidade onde a empresa de mineração Plumbum atuou por meio século, foi vítima do despejo de lixo tóxico e contaminação por chumbo.

Ruínas da Plumbum. Foto: Reprodução

Em 1989, apareceram as primeiras denúncias de que a mineradora estaria contaminando a região com óxido de chumbo, segundo documento do SESA (Secretaria de Estado da Saúde do Paraná) “Avaliação de risco à saúde humana por exposição aos resíduos da Plumbum no município de Adrianópolis”.

Em 1990, num inquérito epidemiológico da secretaria, os primeiros casos de contaminação por chumbo eram apontados entre os trabalhadores da mineradora e seus familiares, que viviam na Vila Operária.

Altas taxas de chumbo no sangue podem resultar em anemia, lesões renais e até câncer. As principais afetadas: crianças.

As consequências da exposição ao chumbo não demoraram a aparecer após a primeira denúncia.

O coeficiente de mortalidade infantil quase dobrou de 1990 até 2000. No início do milênio, as taxas de Adrianópolis eram o triplo do Paraná. 

Já o coeficiente de mortalidade por neoplasias malignas (câncer) não mudou muito na década de 90, mas a partir de 2002 os números explodiram.

Esse aumento vertiginoso não foi acompanhado pelo estado, o que sinaliza que o efeito tenha sido isolado.

Hoje, o IBGE estima que o município possua pouco mais de 5.000 habitantes.

Osni Oliveira nasceu e viveu por décadas em Adrianópolis. Ele trabalhou na Plumbum entre 1990 e 91 e falou ao DCM.

Ele, particularmente, diz não saber se foi afetado pela contaminação de chumbo, mas conta que observava que isso ocorria com outras pessoas na cidade:

“Eu via criança morrer, falavam de problema de pulmão, de coração”, conta. 

Em 1995, último ano de funcionamento da Plumbum em Adrianópolis, o município que possuía cerca de 1% da população do Paraná, representava 25% do PIB do estado.

Em 2017 (últimos dados disponíveis), a parcela de Adrianópolis não representava nem meio por cento do PIB do Paraná.

Osni deixou o município em 1993, porque acreditava que “lá não tinha futuro”(sic).

Junto dele, milhares de outros habitantes foram deixando o lugar.

Segundo dados do IBGE, 11.222 pessoas moravam em Adrianópolis em 1980.

Em 1996, um anos após o fechamento da empresa (ponto vermelho), apenas 7332 pessoas residiam lá.

Para Osni, isso ocorreu porque, com o fechamento da Plumbum, “não tinha o que fazer, não tinha do que viver”.

“Depois de colher o lucro, deixou todo o passivo ambiental para ser suportado pelo entorno”, é o que diz decisão da 11ª Vara de Curitiba que condenou a Plumbum a pagar R$40 milhões de indenização pelos danos ambientais e à saúde causados a Adrianópolis.

Quase 30 anos após a primeira denúncia de contaminação por chumbo e 17 anos da abertura de uma ação coletiva, a empresa foi obrigada a ressarcir financeiramente a região sobre a qual despejou materiais prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

No entanto, uma antiga moradora da cidade conta que ainda estão à espera das indenizações.

A mineradora despejou resíduos de mineração no rio da Ribeira de Iguape enquanto atuava, e abandonou produtos usados no processo de mineração a céu aberto.

Segundo a decisão, a poeira tóxica era “levada pelo vento e aspirada por adultos e crianças, com elevado risco para a saúde da população local”.

A Plumbum ainda foi condenada a construir um aterro para o chumbo que ainda resta na cidade e muros para afastar pessoas e animais dos rejeitos. 

Ilustres residentes:

A cidade já foi habitada por pessoas de destaque.

Bolsonaro, por exemplo, morou na cidade entre 1963 e 1965, com o pai dentista, que trabalhou na mina de chumbo da Plumbum.

Bolsonaro aos 5 anos de idade, ao lado do pai, segurando uma traíra de 5 kg, em Ribeira (SP). Foto: Arquivo Pessoal

À época deputado, Bolsonaro visitou a cidade em 2017:

Outro habitante memorável foi o atual técnico do Cruzeiro, Adilson Batista, que aparece em foto da época em que morava lá:

Foto: Arquivo Pessoal/Osni Oliveira

O técnico nasceu no município e chegou a jogar futebol no A.E.C (Adrianópolis Esporte Clube). Adílson também é parte do processo coletivo movido contra a empresa, por indenização.

Uma antiga moradora, Lucilene, que trabalha hoje como técnica de enfermagem em um hospital de São Paulo, lembra que, quando criança, um caminhão parava quase todo dia numa das ruas do bairro dos operários e distribuía leite para as crianças.

É um indício de que o responsável pela empresa sabia dos riscos que a população corria. Mas o leite, naturalmente, era um paliativo.

O pai dela, que era funcionário da fábrica, morreu de câncer há alguns anos. Seus colegas também foram vítimas da mesma doença. “Morreu um na sequência do outro”, conta.

O temos das crianças é que tenham o mesmo destino. Adílson Batista era filho de um funcionários mais graduado na empresa. Mesmo assim, nem ele nem o pai estão livres do risco.

Já o o fundador da cidade, Adriano Seabra da Fonseca, saiu de cena depois de ganhar muito dinheiro com a venda da Plumbum para empresários franceses.

Adriano tinha uma atividade muito apreciada por Bolsonaro. Era garimpeiro, e se fixou na região em 1930, conforme contou o jornalista Renan Antunes, hoje colaborador do DCM, em reportagem no site O Eco:

“Adrianópolis? O nome deste lugar perdido na parte mais inacessível do Vale da Ribeira, na divisa com São Paulo, foi uma homenagem feita a si mesmo pelo obscuro garimpeiro Adriano Seabra da Fonseca. Desconhecido para os livros de história e para o Google, ele foi o primeiro naqueles grotões, onde abriu minas de ouro e prata, em 1930”, escreveu Renan.

Em 60 anos, a mineradora teria faturado mais de 260 milhões de dólares. Em 2001, um vereador local, conhecido como Jipinho, colocou a boca no trombone e anunciou que moradores da cidade estavam morrendo de câncer.

O caso foi parar na justiça. Dezessete anos depois, a empresa foi condenada a pagar uma indenização de 40 milhões de reais. Mas, até agora, as vítimas não viram a cor do dinheiro.

Adrianópolis ainda não é uma cidade fantasma, mas muitos só voltam para lá para confraternizações que ocorrem de tempos em tempos.

A dor acabou unindo os descendentes dos homens que deram a vida tirando chumbo para enriquecer uns poucos, e enterrando a perspectiva de uma vida mais longa.