Nobel de Medicina critica uso de cloroquina para coronavírus e defensor do medicamento deixa conselho na França

Atualizado em 24 de março de 2020 às 16:24

A Nobel da Medicina de 2008 Françoise Barré-Sinoussi aponta haver falhas metodológicas nos testes com a cloroquina (Plaquenil) para o tratamento de coronavírus e expressa preocupação com os riscos em torno da administração do medicamento para tratar a doença.

Em entrevista publicada nesta terça-feira no jornal francês Le Monde, a virologista, que participou nos 1980 da descoberta do vírus HIV, decidiu manifestar publicamente sua preocupação em relação “às filas de espera no Instituto Hospital Universitário de Marselha para receber um tratamento, a hidroxicloroquina, cuja eficácia não foi provada de maneira rigorosa. Alguns podem ser contaminados e correm o risco de transmitir o vírus. É insensato”.

Ela preconiza a espera de resultados do experimento europeu Discovery, com 3.200 pessoas, dividido em cinco grupos: o primeiro com o tratamento padrao sem o medicamento, o segundo com o antiviral remdesivir, o terceiro associando os medicamentos lopinavir-ritonavir, o quarto com esses mesmos compostos mais um medicamento e o quinto com apenas a hidroxicloroquina. Os resultados devem ser publicados em 15 dias. “Sejamos pacientes”, recomenda Barré-Sinoussi.

Perguntada pelo Le Monde se não confia nos resultados anunciados pela equipe do médico Didier Raoult, ela aponta que haver um número muito pequeno de pessoas, pouco mais de vinte, e um estudo com fragilidades metodológicas”.

Um dos fatores mais preocupantes, indica, são, além da demonstração da eficácia do medicamento, os efeitos colaterais. “É preciso algo sério. Ainda mais porque a hidroxicloroquina não é um Doliprane, ela pode ter efeitos deletérios e trazer riscos de toxicidade cardíaca. Não é racional propô-la a um grande número de pacientes por enquanto, pelo menos enquanto não tivermos resultados confiáveis”.

O periódico Le Monde aponta já haver a prescrição do medicamento na França, para o que a virologista observa estar havendo uma outra indicação em pessoas com estado grave. “Atenção, alguns pacientes podem não suportar. Lembremos que foi graças ao rigor cientifico que testes clínicos puderam obter combinações terapêuticas que permitem hoje de viver com o HIV. Avaliar novas moléculas levará tempo”, afirma.

Ela compara a situação à dos anos 1980, “o que pode semear a confusão no grande público, já atordoado pela magnitude dessa epidemia”. Recorda que, durante a epidemia da AIDS naquela década, “vários candidatos a vacina tinham anunciado que elas protegiam contra o HIV; algumas pessoas utilizaram e foram infectadas. Outras tomaram medicamentos que teoricamente curavam, sem sucesso. A

atualidade nos lembra dessas tristes histórias. Não demos falsas esperanças, é uma questão de ética”.

Histeria, angústia, algumas vezes infundada e irracionais do grande público, diz ela, eram características daquela época que se repetem em parte na atual pandemia. Ela faz nuances na comparação, quando a maioria das pessoas infectadas pelo Covid-19 se curam e o diagnóstico do HIV nos anos 1980 era uma “sentença de morte”. No entanto, “o SARS-CoV-2 é transmitido muito mais facilmente que o HIV”.

Para ela, a melhor saída por enquanto é o estrito respeito ao confinamento, medida que observa ter sido desrespeitada: “A falta de disciplina da população me preocupa”.

São urgentes os investimentos na pesquisa, para a Nobel, como as que analisam neste momento, no mesmo modelo do HIV, anticorpos que poderiam ser desenvolvidos como terapia, podendo levar a uma vacina, o que “levará tempo”.

E apela para o não esquecimento das pessoas mais vulneráveis, como migrantes, sem teto, detentos. “É preciso protegê-los, cuidar deles, trabalhando entre outros com o meio associativo”, diz à publicação francesa.

Defensor da cloroquina para o coronavírus, o médico Didier Raoult deixou nesta terça-feira o Conselho científico do presidente Emmanuel Macron por discordar com a política de confinamento, que ele qualifica de prática da idade média. Ele defende testes massivos, como na Coreia do Sul.

O país asiático, todavia, adotou essa política logo no início da epidemia, além do controle por monitoramento por GPS de cada paciente infectado por parte do poder público, medida considerada na Europa como invasiva e contrária às liberdades individuais.