
O ex-ministro Aloizio Mercadante defendeu, em entrevista ao programa DCM Ao Meio Dia desta terça-feira (28/7), que o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional precisam rever a política neoliberal de ortodoxia fiscal permanente para que o Brasil consiga sair da crise. “Ou o Congresso e governo, e aí o Paulo Guedes tem que negar tudo o que ele disse que faria e tudo que ele disse dos nossos governos, abandonam essa ortodoxia fiscal e saiam do teto de gastos ou nós vamos ter uma situação muito grave em 2021”, defendeu Mercadante.
O ex-ministro mencionou três travas fiscais que impedem o governo de avançar em uma política anticíclica de enfrentamento da crise. “Nós temos 11 travas no gasto fiscal, mas tem três que são as mais graves. A primeira trava é a chamada meta de superávit primário, em que o governo tem que fazer uma meta de superávit e tem que cumprir aquela meta. Bom, este ano nós vamos ter um déficit de R$ 800 bilhões. Então, ele já abandonou a meta de superávit. Ele disse que ia zerar o superávit em um ano e nós estamos com um déficit, que é quase o tamanho do orçamento, que é um déficit nominal”, afirmou.
A segunda trava apontada por Mercadante é a chamada regra de ouro, segundo a qual o governo só pode emitir dívida para investimento e não pode emitir dívida para pagar custeio. No entanto, explicou o ex-ministro, essa regra é superável se o Congresso autorizar e o Congresso está autorizando direto e, com isso, essa regra não vem sendo cumprida desde o governo Temer.
Para Mercadante, a cláusula mais importante a ser superada é a Emenda Constitucional 95, aprovada ainda no governo Temer, que impôs o teto declinante do gasto público. “Se isso for mantido, nós vamos viver uma recessão de proporções gigantescas, porque o que está amenizando a recessão, o que está amenizando o desemprego, o que está amenizando a pobreza é que o estado brasileiro está gastando mais. O auxílio emergencial talvez seja a principal iniciativa, mas não é a única. Então, o estado tem que fazer esse papel anticíclico. Como Keynes dizia, é no crescimento econômico que você tem que ajustar as contas públicas e não na crise, na recessão e na depressão. Então, não é hora de cortar gasto público”, argumento.
Auxílio emergencial e apoio ao governo
Para Mercadante, o governo Bolsonaro perdeu muito na classe média, na educação, nas universidades, entre intelectuais, pessoas com curso superior e formadores de opinião. “Tem um povo conservador e neoliberal nesse universo, que é conservador, mas não é obscurantista, que se sente muito incomodado com as grosserias, com o despreparo, com a precariedade grotesca que é esse governo”, afirmou.
No entanto, para o ex-ministro, Bolsonaro conseguiu construir uma base popular, que ele considera circunstancial, temporário e passageiro em torno desse auxílio emergencial. “Esse auxílio emergencial fomos nós que construímos, porque ele era contra, nós propusemos um salário mínimo, eles propuseram R$ 200 e nós negociamos R$ 600. O impacto fiscal desse auxílio é em torno de R$ 51 bilhões por mês, são quase 40 milhões de pessoas que estão sendo beneficiadas”, disse.
“Então, o peso fiscal é grande, mas você amenizou o impacto da crise. Você tem 750mil empresas que já quebraram, micro e pequenas empresas. Esses trabalhadores foram desempregados e a maioria nem recebeu os seus direitos trabalhistas. O auxílio emergencial ameniza a crise, protege a extrema pobreza e isso de alguma forma preserva uma base, mas isso não é sustentável”, explicou.
Para Mercadante, a contradição entre o auxílio emergencial e a política de ortodoxia fiscal defendida pelo governo Bolsonaro vai se tensionar e se explicitar até o final do mês de agosto, quando o governo tem que encaminhar a Lei de Diretrizes Orçamentárias ao Congresso. “Qual o problema da LDO? Você tem um orçamento que provavelmente vai ser de R$ 1,485 trilhão, que o orçamento desse ano de 2020 mais R$ 31 bi, porque só pode reajustar pela inflação de junho a junho, IPCA, que é um reajuste de 2,3%. Então, como é que eles vão enfrentar essa pandemia com um acréscimo nominal, porque não tem crescimento real, de R$ 31 bi, quando só a folha mensal do auxílio emergencial é de R$ 51 bilhões. Como é que você vai retomar obras? Como é que você vai abrir investimentos para poder fazer parceria com o setor privado e retomar o crescimento? Como é que você vai fazer frentes emergenciais para geração de empregos? Então, é impossível você enfrentar essa crise com ortodoxia fiscal”, afirmou.
O ex-ministro disse, ainda, que essa ortodoxia é uma amarra autoimposta ao Brasil. “Isso não veio de fora, nós preservamos a autonomia da política econômica ao deixarmos em caixa US$ 380 bilhões de reservas cambiais, que eles já destruíram US$ 50 bilhões, mas é ainda tem lá algo em torno de US$ 340 bi. Então, nós não temos pressão do FMI, não somos obrigados a seguir receituários técnicos, o Brasil tem autonomia, relativa, mas nós temos uma certa autonomia”, ponderou.
Política externa
A respeito da política externa brasileira, Mercadante disse que com o governo Bolsonaro o Brasil virou uma chacota, uma vergonha internacional. “O país está completamente isolado, desmoralizado. Em todos os fóruns, na ONU, em todas as frentes o mundo inteiro clamando por proteção da natureza para preservação da Amazônia para enfrentar esse desequilíbrio climático, que está trazendo consequências e você tem um governo que vai contra todo o sentido da humanidade”, disse.
Também relembrou que o próprio presidente dos EUA, Donald Trump, disse que o Bolsonaro é o pior exemplo que nós temos e que errou em tudo. “Esse é o aliado que ele é submisso, que ele está ali o tempo inteiro tentando fazer um papel de serviçal. Então, é muito triste. Só na ONU, foram 35 denúncias contra o Brasil, contra o governo Bolsonaro, e duas na corte de Haia”, concluiu.