Criticada por sentença racista, juíza de Curitiba pede desculpas e diz que foi mal interpretada

Atualizado em 12 de agosto de 2020 às 12:33

 

A kuíza Inês Marchalek Zarpelon

A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1a. Vara Criminal de Curitiba, tomou duas providências hoje depois que uma advogada de defesa expôs a sentença em que ela associa a cor negra de um condenado à participação em organização criminosa.

Ela apagou sua página no Facebook e divulgou uma nota, em que diz que a frase foi tirada de contexto, mas não explica por que usou esta frase:

“Sobre sua conduta social, nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta, os delitos e seu comportamento, juntamente com os demais, causavam desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.

O homem condenado por ela é Natan Vieira da Paz, de 42 anos, negro. Ela foi sentenciado a mais de 14 anos de prisão sob acusação de participar de uma quadrilha que fazia assaltos conhecido como “saidinha” ou “cavalo louco”, em que criminosos aguardam a saída de vítimas de banco para pegar carteira, bolsa ou mochila e sair correndo.

Segue a nota da magistrada, que poderá ser investigada por crime de racismo — nesse caso, seria racismo mesmo, por associar o crime a toda uma etnia. Segue a nota dela. Mais abaixo, a nota da advogada Thayse Pozzobonm que expôs o caso:

A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.

O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.

A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.

Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.

A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.

Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.

A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.

Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.

O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.

Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.

.x.x.x.

Natan Vieira da Paz é o preso à esquerda.

A nota da advogada Thayse Pozzobon, que representou Natan Vieira da Paz:

O nome do SER HUMANO violado com as palavras proferidas pela magistrada é Natan Vieira da Paz, homem, 42 anos, negro. Com autorização do cliente, estou divulgando o nome na esperança de que repercuta mais ainda.

Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira.
Organização criminosa nada tem a ver com raça, pressupor que pertencer a certa etnia te levaria à associação ao crime demonstra que a magistrada não considera todos iguais, ofendendo a Constituição Federal.
Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira.
O Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a Magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal.
Exigimos providências!

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com