Radiohead versus Hegel: eles desafiaram o espírito do tempo

Atualizado em 2 de outubro de 2014 às 16:48

O texto abaixo foi postado originalmente como comentário na reportagem “Muse no Rock In Rio e Smashing Pumpkins no Hollywood Rock” pelo leitor Tony. Foi editado minimamente, sem mudar o sentido.

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Georg Wilhelm Friedrich Hegel, um grande filósofo alemão, criou um conceito interessante chamado Zeitgeist. Numa tradução livre, seria o “espírito do tempo”. De acordo com ele, a história por vezes traz uma conjunção de fatores que torna uma sequência de acontecimentos única, e define o futuro.

Em 1984, duas bandas disputavam o título de maior banda britânica. Uma delas era Echo & the Bunnymen. Eles vinham de 4 álbums soberbos e preparavam uma explosão nos Estados Unidos.

A outra era o U2.

Apenas uma se tornou onipresente da cena mundial. A outra deixou viúvas pelo caminho, que nunca entenderam como aquele som tão diferente, energético e distinto, pode se esvair em… ego.

O Echo & The Bunnyman tentou retomar mais tarde, com parte da voz, quase todo o talento da guitarra e do baixo, mas sem que o Zeitgeist existisse.

Nada é atemporal, nem mesmo a melhor das coisas.

Recentemente li um texto sobre os Smashing Pumpkins. Para mim, eles são o Echo & The Bunnymen – talentosos, únicos, diferentes de tudo por um espaço mágico de tempo, mas temporais. Condenados a uma época por uma maldição calcada em egos. Eles que, aliás, reconhecidamente se inspiraram bastante no Bunnymen.

Adoro ambos e acredito que poderiam ter sido os maiores. Para mim, restarão sempre como os quase-maiores, mesmo que ser maior não signifique necessariamente ser o mais mágico.

O Radiohead soube ser enorme e quase atemporal. Tudo aquilo que os roqueiros tradicionais criticam neles em sua segunda fase – como o distanciamento do rock, os conceitos intricados e por vezes inacessíveis, a eletrônica disruptiva -, criou a aura de mutante em evolução que de certo modo assegurou parte da atemporalidade. Trouxe uma espécie de seguro anti-porcaria.

Quando uma banda chega nesse estágio, pode produzir qualquer coisa. Os fãs se auto-culparão por não entender o novo conceito. É mais ou menos como se os Beatles tivessem invadido os anos 70 – provavelmente seriam agraciados com o mesmo benefício da dúvida.

O Muse não é Pumpkins nem Radiohead. Quando surgiram, torci o nariz ao enxergar uma evidente ligação com a primeira fase do Radiohead. Mas eles souberam mostrar que eram de arena, como os Pumpkins, e que a mistura que fazem de progressivo, pop e eletrônico tem um valor à parte.

Sem contar que, muito embora Billy Corgan seja um guitarrista de primeiríssima linha, não há como não se impressionar com a capacidade que Mathew Bellamy possui de tocar guitarra e piano. Não é que ele toca bem, ele é quase impecável como instrumentista.

É uma grande banda, mas… temporal. Mais uma que o Zeitgeist derrubou, na minha opinião.

A prova do tempo é você se entristecer vendo bandas se tornando covers de si mesmas. Ao menos com o Radiohead, isso ainda não aconteceu.

Emir Ruivo é músico e produtor formado em Projeto Para Indústria Fonográfica na Point Blank London. Produziu algumas dezenas de álbuns e algumas centenas de singles. Com sua banda, Aurélios, possui dois álbuns lançados pela gravadora Atração. Seu último trabalho pode ser visto no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=dFjmeJKiaWQ