
O acidente com Niki Lauda é uma de minhas primeiras recordações da F1. A comoção das pessoas ao meu redor com os gritos de “Meu Deus!” e “Vai morrer” ou mesmo “Já está morto”, chamaram minha atenção para o aparelho de TV. O que vi foi uma bola de fogo e logo depois Lauda sendo colocado no chão, alguns metros adiante. Não cheguei a ver a batida ao vivo mas não descarto a possibilidade de que tenha nascido aí o interesse que passei a ter pela F1.
A F1 exercia esse fascínio que a proximidade com a morte, o risco iminente, latente faz com que fiquemos absortos diante de tragédias (e, preciso reconhecer, esse fascínio mórbido cada vez mais ausente da F1 talvez tenha me afastado um pouco, não acompanho mais com a mesma regularidade).
Numa época em que a letalidade do esporte era altíssima, uma média de duas mortes por ano (com menos GPs que hoje) e quando mesmo os treinos livres eram uma roleta russa, o rosto deformado de Niki Lauda foi uma imagem que traduzia bem aqueles tempos de carros que rebolavam nas pistas mais do que dançarinas em palcos. Era preciso ser louco, não havia outra forma.
O circo da F1 parecia sempre fadado a pegar fogo. As multidões acampadas dentro dos autódromos, os fotógrafos e cinegrafistas arriscando-se à beira da pista, as equipes que corriam para cima dos carros na linha de chegada e o público extrapolando qualquer limite de bom senso. Todos expostos ao perigo quase na mesma intensidade que os pilotos. Esse era o glamour daquela época retratada no filme Rush, de Ron Howard.
Talvez para os brasileiros, a escorregada maior do filme seja uma recriacão pouco fiel de Interlagos, compensada nas citações feitas a Emerson que dão uma cutucada no orgulho brasileiro. Percebe-se o respeito que tinham pelo nosso “Rato” (já era bi-campeão mundial por equipes distintas – Lotus e McLaren), mesmo apelido dado por Hunt a Lauda.
Além de muitísimo bem filmado, com recursos digitais que nos fazem sentir o cheiro de gasolina, de borracha queimada, a adrenalina da velocidade e a insanidade de correr cegamente sob chuva, a rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt não se perde em pieguice nem faz julgamentos moralistas.
James Hunt fazia o estilo hoje praticamente extinto na categoria que parece sobreviver apenas entre alguns mecânicos – Kimi Raikkonen talvez seja o único remanescente – mas estava longe de ser único. O bom mocismo de Lauda é que era exceção. Hunt morreu cedo, não de acidente, em virtude de seus excessos igualmente fora das pistas. Porém bons moços preocupados com a segurança das corridas ironicamente foram as maiores vítimas delas. Na cena em que Niki Lauda propõe o cancelamento da prova em Nurburgring em face da pouca segurança com a pista molhada, impossível não lembrar das vezes em que Ayrton Senna protagonizou-as de modo idêntico, chegando a abandonar uma delas extremamente irritado. E acabou como sabemos, em Imola.
O ponto do filme não é o maniqueísmo. Em entrevista ao site português Autoportal, Niki Lauda comentou logo após ver o filme: “Merda, aquele sou eu mesmo”, e lamentou Hunt não estar vivo para poderem assistir juntos numa prova de respeito que é a espinha dorsal da história. Se não fosse Hunt, talvez Lauda tivesse sucumbido no hospital; Se não fosse Lauda, talvez Hunt nunca tivesse lutado com tanta gana por um título mundial (e o daquele ano foi o único de sua carreira, terminando apenas um ponto a frente de Lauda).
Portanto, escolha bem seus amigos mas, principalmente, também seus rivais. São eles que manterão sua busca pela superação. É pelo nível deles que você será lembrado.