Quem são os Proud Boys, grupo de extrema-direita ao qual Trump se dirigiu

Atualizado em 1 de outubro de 2020 às 21:13
Proudboys. Foto: AFP

Publicado originalmente no Sapo:

Por António Moura dos Santos

De todos os momentos ocorridos durante o tenso debate, na madrugada desta quarta-feira, entre Joe Biden e Donald Trump, os dois candidatos às eleições presidenciais nos EUA a decorrer a 3 de novembro, houve um que se destacou dado o momento que o país vive.

Ao fim de uma hora de despique, o tema da violência política e dos protestos raciais que têm grassado no país foi trazido pelo moderador, o jornalista Chris Wallace. Instado a afirmar se condenava os grupos de extrema-direita e os grupos milicianos que se apresentam como seus apoiantes e lhes diria para pararem as suas ações, o presidente dos EUA fugiu à questão, pedindo antes que lhe dessem nomes específicos de movimentos dessa natureza e defendendo que os grupos responsáveis pela violência são de esquerda.

A sugestão partiu não de Wallace, mas de Joe Biden, que respondeu “Proud Boys”. Trump disse então “Proud Boys, afastem-se e aguardem”, adiantando ainda que “alguém tem de fazer algo em relação aos Antifa”, movimento anti-fascista conotado com a extrema-esquerda e o qual o presidente já considerou como sendo terrorista. Mas a quem é que Donald Trump se dirigiu?

Criados em plena campanha para as presidenciais de 2016 por Gavin McInnes — ex-jornalista canadiano, um dos fundadores da revista Vice, que entretanto se tornou ativista — os Proud Boys (“Rapazes Orgulhosos”) são um grupo conotado com a extrema-direita e que se tem envolvido nos violentos confrontos a ocupar as ruas dos EUA nos anos, e com particular virulência nos últimos meses.

Constituído exclusivamente por homens, o grupo — cujo nome, inspirado numa música do filme “Aladino”, “Proud to Be Your Boy”, começou por ser uma piada — diz-se ser orgulhosamente “chauvinista” e defensor de valores ocidentais tradicionais que crê estarem em perigo por movimentos de esquerda, feministas e defensores da integração e da imigração. Os Proud Boys são considerados pelo FBI como “um grupo extremista”, ao passo que a organização de direitos humanos Southern Poverty Law Center rotula-o de “grupo de ódio” pela sua retórica anti-imigração, anti-islâmica e misógena.

Apesar de não ter uma linha ideológica bem definida, o grupo professa ideias libertárias contra o estado social, é a favor dos direitos de posse de arma — é frequente verem-se membros armados nos comícios —, glorifica a violência, declara-se contra o igualitarismo entre géneros e tem demonstrado forte apoio à administração de Donald Trump.

Ainda que admita membros não-brancos nas suas hostes, o grupo tem sido associado ao movimento de supremacia branca, tendo participado lado a lado em demonstrações de extrema-direita com grupos dessa índole. Exemplo disso foi a presença no comício “Unite the Right” (“Unir a Direita”), em agosto de 2017, quando centenas de ativistas de ultra-direita reuniram-se em Charlottesville, Virgínia, onde enfrentaram manifestantes anti-racistas. O confronto resultou em desacatos, sendo que um simpatizante neo-nazi avançou sobre uma multidão com um veículo, matando uma pessoa e ferindo 19.

Os seus rituais de iniciação passam por praxes violentas e quem entra no grupo tem de professar ser “um chauvinista ocidental que se recusa a pedir desculpa por ter criado o mundo moderno”, como reporta o The Guardian. No seu código de indumentária estão os bonés vermelhos a dizer “Make America Great Again” de Trump e pólos pretos e amarelos da Fred Perry. Tal escolha levou a marca britânica, inclusive, a deixar de vender esses modelos nos EUA para não se ver associada ao grupo.

Apesar de se estimar ter apenas algumas centenas de membros, o grupo tem-se notabilizado pelo cariz violento das suas ações, envolvendo-se frequentemente em agressões a ativistas de esquerda e em ataques aos protestos anti-racistas que se têm multiplicado nos últimos anos. No ano passado, dois dos seus elementos foram condenados a quatro anos de prisão por espancarem ativistas anti-fascistas em Nova Iorque, e horas depois da mensagem de Trump, um membro foi detido por ter apontado um revólver a um grupo e disparado uma arma de paintball.

Uma frase que virou um slogan

Depois de ter dirigido a mensagem aos Proud Boys durante o debate, Donald Trump procurou distanciar-se do grupo no dia seguinte dada a onda de críticas que se fez sentir.

“Não sei quem são os Proud Boys. Tudo o que posso dizer é que eles precisam de dar um passo atrás e deixar a polícia fazer o seu trabalho”, disse o presidente, garantindo que “sempre denunciou” os partidários da supremacia branca e mantendo a toada de que os responsáveis pela violência política encontram-se à esquerda.

Já o filho do presidente, Donald Trump Jr., tinha dito em direto à CBS que o pai tinha deixado claro que “teria todo o gosto em denunciar a extrema-direita”, recordando que já tinha “denunciado o Ku Klux Klan como uma organização terrorista doméstica na semana passada”.

Em causa está o facto da expressão em inglês “stand back and stand by” poder ser literalmente interpretada como “afastem-se e aguardem”, mas também como “afastem-se e ponham-se a postos”.

No entanto, apesar das tentativas da administração Trump de tentar suavizar o que podia ser interpretado como um apelo feito durante o debate, a reação por parte de alguns Proud Boys foi imediata, demonstrando entusiasmo pelo que consideraram ser um apoio declarado do presidente, com a frase “Stand Back, Stand By” a ser partilhada entre membros do grupo como um novo slogan.

“O presidente Trump disse aos Proud Boys para esperarem porque alguém tem de lidar com os Antifa … bem, senhor! Estamos prontos”, disse Joe Biggs, um dos militantes dos Proud Boys, na Parler, uma rede social semelhante ao Twitter que não bloqueia extremistas — o Facebook, por exemplo, baniu o grupo em 2018.

Já o atual líder dos Proud Boys, Enrique Tarrio — McInnes saiu da liderança em 2018, apesar de se manter ligado ao mesmo — escreveu no Twitter que não considerou as palavras de Trump como um apoio explícito ao grupo e negou as associações aos movimentos de supremacia branca, mas disse que o apelo do presidente de “ficar pronto e aguardar” é o que o grupo sempre fez.

Este episódio faz ressurgir a controvérsia que tem ensombrado o mandato de Donald Trump, frequentemente acusado de apoiar implicitamente movimentos de extrema-direita ao recusar-se a denunciá-los. Num dos mais notórios exemplos, depois do acima mencionado atropelamento decorrido durante o comício em Charlottesville, o presidente foi duramente criticado ao afirmar que nesses confrontos havia “gente boa de ambos os lados”.

Já perante do movimento de indignação contra o racismo e a brutalidade policial contra os afro-americanos que tem varrido o país desde o final de maio, quando se deu a morte de George Floyd às mãos da política, Trump tem sobretudo denunciado a violência perpetrada, segundo ele, por ativistas radicais de esquerda.