
Deve ser uma experiência e tanto: chegar em casa, tarde da noite, e observar que há um recado na secretária eletrônica. Nele, uma mensagem curta e grossa: “Informamos que você foi contemplada com o Prêmio Nobel de literatura”.
Foi assim que a escritora canadense Alice Munro soube que havia ganhado o maior prêmio da literatura mundial. Ela estava em algum lugar com a filha e a Academia Sueca não conseguiu encontrá-la no celular. Parece uma cena prosaica demais para tanta honraria. Mas a verdade é que tem tudo a ver com o estilo literário de Alice Munro.
O que mais impressiona na sua obra é a intensidade que emprega às suas histórias e personagens absolutamente comuns, em ambientes domésticos, sem qualquer carisma. Pessoas modestas, na rotina de seus pequenos desafios, subitamente revelam-se cheias de vida na maestria das palavras de Alice Munro.
Sua obra também se destaca, entre ganhadores do Nobel, por ser baseada em contos, um gênero literário que vem sendo pouco explorado pelos autores das “novas tendências” — e há muito tempo um contista não era contemplado com um Nobel. Alice Munro tem sido chamada de Tchecov Canadense, numa alusão ao grande contista russo, eterna referência desse gênero. “Mestra do relato curto”, diz a nota da Academia Sueca a respeito de sua premiação.
Também se destaca o fato de ela ser mulher — a 13a escritora a ganhar o Nobel, desde sua criação, em 1901. Mais do que ser mulher, Alice Munro é uma verdadeira artesã na criação de personagens femininos — suas angústias, seus medos, suas expectativas e sua relação com o ambiente social em que vivem. Não se pode dizer, no entanto, que seja uma escritora feminista, longe disso — e certamente a Academia Sueca teria pensando duas vezes antes de premiar uma escritora militante.
Porque a verdade é que a premiação do Nobel segue algumas vezes alguns critérios políticos para distribuir seus prêmios — ou, para ser mais exato, examina a adequação contemporânea de seus eleitos. Mas não se pode dizer o mesmo sobre a premiação de Alice Munro.
Aos 82 anos, depois de ter declarado publicamente que não iria mais se dedicar à literatura, Alice deixa o ofício com uma obra digna de Nobel, a ponto de ser considerada uma das mais importantes escritoras vivas da língua inglesa. E repete um padrão admirável, hoje menos utilizado, de se manter discreta, vivendo na simplicidade de seu chalé nas montanhas, avessa à exposição pública e extremamente dedicada às palavras.
O Nobel está em boas mãos. E aqueles que quiserem confirmar essa impressão, aguardem os relançamentos da obra da autora já confirmados para dezembro pela Global e Cia das Letras.