A frase histórica do líder chinês foi apenas um erro de tradução?

Atualizado em 24 de agosto de 2011 às 17:30
Nixon e Zhou Enlai em 1972

Sou, como sabem todos, um admirador da China confucionista e de sua visão de longo prazo.

Por isso, tenho que admitir que me decepcionei quando li que uma demonstração histórica de sabedoria chinesa teria sido, na verdade, um erro de tradução. A mídia se incumbiu de perpetuar o suposto equívoco. Incluo-me entre os que espalharam o alegado engano em seus textos.

Zhou Enlai, antigo premiê chinês, está involuntariamente no centro da polêmica. Em 1972, ele recebeu a visita do presidente americano Richard Nixon. Perguntaram a Zhou o que achava dos tumultos na França. Ele respondeu que ainda era muito cedo para fazer uma avaliação.

Os jornalistas escreveram que ele se referia à Revolução de 1789. Dois séculos depois, segundo essa interpretação, ainda não seria possível ter uma visão clara da Revolução Francesa. Os chineses realmente enxergam longe, foi a dedução de todos. A tirada de Zhou foi utilizada infindavelmente desde então para mostrar o peculiar espírito chinês.

Mas agora aparece uma nova versão dos fatos, trazida pelo diplomata americano Charles Freeman, intérprete de Nixon naquela viagem. Num recente painel de discussões em Washington, Freeman disse que o líder chinês se referia às manifestações de 1968 na França. “Houve um mal-entendido na fala de Zhou que era muito interessante para convidar a correções”, disse Freeman. O moderador do painel era um jornalista do Financial Times. O FT foi, por isso, o primeiro jornal do mundo a publicar a suposta retificação.

Por que Freeman demorou 40 anos para dizer o que disse é ainda um mistério. Se ele está certo, também é outro mistério. Avaliar a Revolução Francesa faria sentido, dada a importância dela. A China, de resto, ensaiava sua própria “revolução burguesa”, cujos resultados estão aí. Por que Zhou falaria dos tumultos de 1968, de morna relevância histórica, quatro anos depois?

Haverá de se travar um combate entre a versão original da fala e a alegada correção de agora.

Ainda que o premiê se referisse a 1968, fico com a versão original.