
A eleição de Joe Biden trouxe à tona a live que Bolsonaro fez no dia 1º de outubro, em que comentou declaração de Biden sobre eventuais sanções ao Brasil no caso de Bolsonaro negligenciar a proteção das florestas.
“Ele (Biden) está querendo, parece, romper o relacionamento com o Brasil por conta da Amazônia. Sabemos que alguns países do mundo têm interesse na Amazônia. E nós temos que fazer o quê? Dissuadi-los disso. E como você faz a dissuasão disso? Ter Forças Armadas preparadas”, disse.
Será que Bolsonaro está querendo guerra contra os Estados Unidos?
O discurso vai nessa linha, porque evoca um discurso antigo nas Forças Armadas, o de que o Brasil precisa produzir bomba atômica para “dissuadir” outros países de hostilidade contra o Brasil.
O glossário das Forças Armadas define poder de dissuasão assim:
“Atitude estratégica que, por intermédio de meios de qualquer natureza, inclusive militares, tem por finalidade desaconselhar ou desviar adversários, reais ou potenciais, de possíveis ou presumíveis propósitos bélicos.”
Em 1990, o então presidente Fernando Collor determinou a implosão de um buraco com 300 metros de profundidade aberto na serra do Cachimbo, no Pará, Amazônia, dentro do projeto conhecido como Calha Norte.
Segundo o que se divulgou à época, a Aeronáutica tinha planos de usar o local para explodir uma bomba atômica, depois que cientistas brasileiros haviam dominado a tecnologia de enriquecimento de urânio, base do artefato nuclear.
Em 1991, entrevistei o então ministro da Educação, José Goldemberg, ex-reitor da USP, que tinha sido responsável pelo Meio Ambiente do mesmo governo Collor.
Ele revelou que os militares tinham mesmo um projeto para detonar uma bomba atômica na Amazônia.
— Os militares brasileiros ainda querem fazer a bomba atômica? — perguntei.
— Não sei se ainda querem, mas, quando começou este governo, eles pretendiam, sim, dominar a tecnologia nuclear para fazer armas. Quando o programa nuclear resultante da cooperação Brasil-Alemanha tomou o rumo que tomou, a de construção de usinas nucleares para a produção de energia elétrica, pura e simplesmente sob a fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica, tanto a Aeronáutica quanto o Exército procuraram assegurar ao Brasil o domínio da energia nuclear sem qualquer dependência de potências estrangeiras. Essa independência levou os militares a seguir por um caminho que levaria à produção de armas — respondeu.
Perguntei como ele sabia disso.
— Quando eu era reitor da USP, alguns físicos me procuraram para pedir emprego. Para valorizar seu currículo, alguns contavam que tinham participado de pesquisas militares nessa linha.
— Os militares pretendiam fazer a bomba e explodi-la?
— Pretendiam. O plano era explodir a bomba no final do governo Figueiredo. Eles queriam um Grand finale para o regime militar. Queriam criar um clima de euforia, como na Copa do Mundo de 1970.
Em 1990, no primeiro ano do primeiro governo eleito depois do golpe de 1964, os militares ainda tinha plano de fazer a bomba.
— O Exército queria verba para construir um reator de 10 megawatts, com o que se produziria plutônio a partir do uso combinado de urânio e grafite — explicou o então ministro do governo Collor.
— O pretexto era a produção de energia elétrica. Não era uma proposta razoável, porque essa não é a função do Exército. A fórmula que o Exército adotou para produzir energia elétrica era, curiosamente, a mesma que os americanos usaram há cinquenta anos, na Segunda Guerra, para fazer a bomba. A Aeronáutica começou a enriquecer urânio com laser em São José dos Campos para usar, no futuro, material radiativo para a produção de energia dentro do satélite. Era uma desculpa muito fraca — acrescentou.
Com Bolsonaro, a ambição dos militares pode estar reacesa. O discurso dele em que fala de “poder de dissuasão” é motivo mais do que suficiente para que se ligue a luz amarela.