Exclusivo: Agricultores e donos de chácaras denunciam Votorantim por grilagem no Vale do Ribeira. Por Jesus Vicente

Atualizado em 5 de janeiro de 2021 às 13:30
Herdeiros de um antigo proprietário dizem que o Grupo Votorantim pratica grilagem

Ao menos 30 pessoas, entre elas sitiantes, chacareiros, ribeirinhos e seis vereadores, se reuniram no último dia  23, em Tapiraí, Vale do Ribeira, para discutir o processo de expansão de divisas das terras do Legado das Águas, reserva do Grupo Votorantim. Eles classificam a ação do grupo de “grilagem de terra” e relatam casos de ameaças.

O Grupo Votorantim nega as acusações, diz que está apenas retomando terras que eram suas e que foram adquiridas entre 1920 e 1950, mas que foram ocupadas pela Fazenda Monsa e que agora se chegou a um acordo entre o grupo e a fazenda.

O grupo acrescenta, ainda, que se houve algum erro será corrigido e que todas as posses devidamente reconhecidas serão respeitadas.

O Grupo declara possuir 31 mil hectares.

Os moradores contestam a versão do Grupo e mostram documentos, muitos desses,  escrituras registradas em cartório.

No mesmo encontro, os moradores formalizaram a criação da associação Nossa Terra, um instrumento para unir todos os prejudicados pelo que chamam de grilagem do Grupo Votorantim. Ainda na mesma reunião, os moradores conseguiram que os vereadores presentes, 6 de um total de 9, assumissem o compromisso de organizar uma audiência pública para tratar do assunto assim que a Câmara voltar do recesso de fim de ano.

“Nós queremos que vocês assumam essa responsabilidade e nos ajudem a preservar o que é nosso”, diz Alexandre Santos, um dos organizadores do evento e vítima da ação do Grupo Votorantim.

Participaram do encontro os vereadores Jan Glasser e Elias Limas do MDB; Joel Cocão, PSD; César Araújo, PSB; e Maria Spenoci e Humberto Fumaça do PSDB.

COMO COMEÇOU

Há 8 anos o Grupo Votorantim criou a reserva Legado das Águas para administrar uma vasta área de terra no vale do Rio Juquiá entre os municípios de Miracatu, Ibiúna, Piedade,  Tapiraí e Juquiá, onde o grupo produz energia elétrica em três barragens.  A área, noticiada como 31 mil hectares, segundo o grupo, foi adquirida entre as décadas de 1920 e 1950.

Desde a criação do Legado das Águas, funcionários do grupo passaram a visitar as propriedades da região, dizendo que estavam medindo as terras para dar título de posse aos moradores que não tinham e confirmar as divisas dos que tinham escrituras.

Mas, nos últimos 3 anos, com todas as terras medidas, o Legado declarou ser do Grupo Votorantim ao menos 40 propriedades nos bairros ruais do Guatambu, Água Doce, Cerrello, Rio Novo, Casa Verde, Pescador, Quarenta e Alecrim.

Além disso, funcionários do Legado e terceirizados pela reserva passaram a pressionar e a ameaçar os moradores e, inclusive, a destruir moradias não habitadas.

“Um vizinho nosso acordou um dia às 4 da manhã com um caminhão na porta da sua casa descarregando uma máquina (retroescavadeira)  e teve que enfrentar os guardas para impedir que sua casa fosse derrubada”, narra Jairo Martins, outro líder dos moradores.

Já houve ocasião, relata moradores, que guarda do Legado chegou a sacar a arma para amedrontar aqueles que teimavam em permanecer na terra.

TERRAS COMPRADAS EM 1896 JÁ FORAM “ENGOLIDAS”

Em 1896, o senhor Benjamin Pinto de Moraes (sem paresteco com os Ermírio) comprou uma gleba de 3 mil hectares no Rio Novo, na bacia do rio Juquiá. Em 1928, ele escriturou 1.700 hectares e negociou outros 480 hectares com a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), parte embrionária do Grupo Votorantim.

Desde então, não houve mais negócio  com a CBA,  afirmam seus herdeiros, muitos deles nascidos e criados no local. Eles ainda mostram a escritura do imóvel. ”Como a terra são deles se nunca vendemos nada pra eles?, indigna-se Alexandre Santos, bisneto de Benjamin.

Boa parte da família já deixou o local e parte das casas já foi derrubada.

Alexandre mostra documentos que comprovam propriedade comprada por seu bisavô
Propriedade em poder da família desde 1896

DENÚNCIA DE GRILAGEM ENVOLVENDO OS ERMÍRIO É ANTIGA

O DCM teve acesso a uma carta datilografada e registrada em cartório destinada a Antônio Ermírio de Moraes em 1971.

No documento, representante da Fazenda Trovão reclama que a CBA estava a grilar suas terras para construção de uma barragem no Rio Juquiá. No mesmo documento, é narrado todo o histórico das terras que compreendem a Fazenda Trovão, nada menos que 7.560 alqueires paulistas, ou 18.295 hectares.

As terras da Fazenda Trovão, cita o documento, remontam a transcrições de 1913

José Antunes aparece como dono primitivo, cuja primeira transcrição ocorre em 1913, quando seus sucessores transcrevem a titularidade das terras, já denominada Travessão, a Sabino Eloy, casado com Maria Miquelina, neta do dono primitivo.

No mesmo ano, as terras chegam às mãos do Coronel João Rosa e, no começo dos anos 1950, já em outras mãos, são medidas e partilhadas com a intenção de se construir um condomínio agrícola para o cultivo de chá, cacau e outras culturas, além da atividades extrativistas de madeira e palmito.

Os moradores atuais querem que o Grupo Votorantim explique claramente qual a área que está reivindicando e com base em quais documentos legais.

Se a reivindicação for sobre as terras que um dia formaram a Fazenda Trovão, a grilagem pode chegar a 18 mil hectares, 60% dos 31 mil hectares que o Grupo Votorantim diz ter naquela região.

Proprietários formam a Associação Nossa Terra e fazem reunião com 6 vereadores de Tapiraí
Jesus Vicente
Jesus Vicente é jornalista e foi repórter no Diário de Sorocaba, Cruzeiro do Sul, Diário Popular, Diário de S. Paulo e rede BOM DIA. Também é repórter fotógrafo e edita revistas de futebol e de turismo pela Arão Editora.