
Em 1960, o escritor italiano Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz e o melhor tradutor do horror nazista, dirigiu uma “carta” a Adolf Eichmann.
Na poesia, Levi deseja que Eichmann, um dos organizadores do Holocausto, “viva tanto quanto ninguém nunca viveu: que viva insone cinco milhões de noites”.
É possível ver Bolsonaro nessas palavras, o coveiro das vítimas de covid-19 no campo de concentração do Brasil.
Julgado em Israel, Eichmann — imortalizado pelo conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt — foi considerado culpado por crimes de guerra e enforcado em 1962.
Para Adolf Eichmann
Corre livre o vento por nossas planícies,
Eterno pulsa o mar vivo em nossas praias.
O homem semeia a terra, a terra lhe dá flores e frutos:
Vive em ânsia e alegria, espera e teme, procria ternos filhos.
… E você chegou, nosso precioso inimigo,
Você, criatura deserta, homem cercado de morte.
O que saberá dizer agora, diante de nossa assembleia?
Jurará por um deus? Mas que deus?
Saltará contente sobre o túmulo?
Ou se lamentará, como o homem operoso por fim se lamenta,
A quem a vida foi breve para tão longa arte,
De sua terrível arte incompleta,
Dos treze milhões que ainda vivem?
Ó filho da morte, não lhe desejamos a morte.
Que você viva tanto quanto ninguém nunca viveu;
Que viva insone cinco milhões de noites,
E que toda noite lhe visite a dor de cada um que viu
Encerrar-se a porta que barrou o caminho de volta,
O breu crescer em torno de si, o ar carregar-se de morte.