
Emir Macedo Nogueira, meu pai, uniu suas duas paixões profissionais — o jornalismo e o magistério — numa coluna de português chamada “A Língua Nossa de Cada Dia”, publicada aos domingos na Folha nos anos 1970. Papai, mestre em português e versado em latim, pegava algum assunto da semana e o debatia à luz da língua com sua prosa límpida, simples, machadiana.
Me pus a reler, outro dia, textos de papai. Foi uma viagem sentimental — e histórica, porque os temas refletem os tempos em que foram escritos. Decidi fazer algo que me devia ter ocorrido já antes: publicar alguns dos textos de papai. A digitalização deles está a cargo de sua neta Camila, minha caçula, que aos 15 anos lembra, na rapidez elegante com que usa todos os dedos no teclado como se estivesse num piano, o avô. Três gerações de Nogueiras estão envolvidas no projeto, e isso me enche de alegria. O primeiro texto fala da cor magenta, no momento em que o Banco Central colocava na praça uma nova cédula de 100 cruzeiros.

MAGENTA E OUTRAS CORES
Vêm aí novas cédulas, uma delas no valor de nada menos de 100 cruzeiros, ou 100 contos, como se dizia nos velhos tempos. De acordo com descrição fornecida pelo Banco Central, a cor predominante nessa valiosa nota será magenta. Muitas pessoas ficaram na mesma. A palavra não consta no Vocabulário oficial e poucos dicionários suprem essa omissão.
O vocábulo é no entanto familiar aos que lidam com tintas ou artes gráficas. Magenta é um matiz de vermelho – um vermelho carregado, que se aproxima do roxo; também se dá a mesma denominação a um corante extraído de certos produtos minerais ou vegetais, conforme ensina o dicionário Caldas Aulete. O nome provém de uma cidade italiana, Magenta, na Lombardia, onde se travou a famosa batalha entre franceses e austríacos, em meados do século passado; como o corante foi descoberto por essa época, deu-se-lhe o nome da cidade – uma relação, aliás, difícil de entender hoje em dia.
Essa questão dos nomes de cores tem aspectos ainda singulares. João Ribeiro estudou-os nas suas “Curiosidades Verbais”, onde afirma que, “no homem, o sentimento da cor revela-se gradual, moroso, confuso e contraditório”, e que “os nomes de cores foram sempre incertos e mudáveis”. Há cores “modernas” que os antigos desconheciam. Os nossos índios, por exemplo – lembra João Ribeiro – não diferenciavam o azul do preto, tanto que os designavam por um único nome: una.
Roxo já foi sinônimo de vermelho, ou ruivo. Quando se ouve falar em Frederico Barba-Roxa, é claro que não se pode imaginar um homem de barba roxa, tal como vemos hoje essa cor; a referência é à cor ruiva dos pelos de seu rosto. Da mesma forma, já se usou Mar Roxo em relação àquele que hoje conhecemos como Mar Vermelho. Pêro Vaz de Caminha descreveu os nossos índios como pardos (… a feição deles é serem pardos, maneira d’avermelhados…), o que indica que no seu tempo pardo era uma cor próxima do vermelho; hoje está mais próxima do preto.
À medida que se aperfeiçoa o sentido da visão e se desenvolvem as técnicas de combinação entre as cores básicas, novos matizes vão surgindo numa sucessão infindável. A indústria automobilística brasileira encarregou-se de expandir ainda mais essa tendência, criando denominações próprias para as diferentes tonalidades dos carros que fabrica. Os nossos automóveis, observe-se, nunca são, por exemplo, simplesmente vermelhos: são granada (ou grená, aportuguesamento do francês grenat), coral e até cerâmica, nuanças de vermelho que vieram juntar-se a numerosas outras, já usadas há mais templo: encarnado, escarlate, púrpura, bordô, carmesim, etc. Quando não se emprega nome diferente, recorre-se ao da cor fundamental, combinado com outra palavra: verde-garrafa, verde-mar, azul-atlântico, azul-pastel, amarelo-canário, amarelo-ouro.
Já se assinalou também que, curiosamente, o latim, matriz principal de nosso vocabulário, deu origem a relativamente pequeno número de cores (branco é de origem alemã; azul, persa; amarelo, árabe). Modernamente, da mesma forma, continuamos importando nomes desse tipo, especialmente do francês: marrom (aportuguesamento de marron), bege (fr. Beige); bordô, grená, etc. Sem esquecer o italiano magenta, por onde começos e por onde terminamos estas notas.