O assassinato de Henry Borel e o mito do amor materno. Por Sara Vivacqua

Atualizado em 10 de abril de 2021 às 21:05
Henry Borel e a mãe Monique Medeiros

Henry Borel pediu socorro.

Ele falou para sua mãe, dentro da compreensão e gramática que cabem a uma criança de 4 anos, o que estava acontecendo em casa.

Falou por diversas vezes, a várias pessoas.

A sua imagem final, enviada pela baba à mãe, refuta dúvidas e é gráfica: ele, visívelmente machucado nas pernas e cabeça, apavorado e encolhido no colo da babá segurando a sua mão.

Imóvel.

A barbárie cometida contra ele nao é compreensível sequer a nós, como seria para ele?

Henry tinha acabado de ser trancado no quarto e espancado ao som de desenho animado na televisão no volume máximo.

Um crime distópico, semelhante a uma cena de “Laranja Mecânica” em que delinquentes juvenis invadem uma casa e torturam pessoas ao som de “Cantando na chuva“.

Dr. Jairinho, horas depois de assassinar o garoto, é entregado pela vaidade no espelho do elevador, onde deixa transparecer um sorriso de satisfação e orgulho.

Deve ter se sentido como num ritual de passagem de moço a homem na cultura miliciana do Rio. Dr Jairinho, filho do “Coronel” Jairo, miliciano e torturador de jornalistas, agora torturador por mérito próprio.

A mãe, Monique Medeiros, encontrava-se num shopping enquanto a babá enviou mensagens relatando os abusos.

Ela se mostra mais motivada em criar um flagrante com câmaras ocultas para confrontar Jairinho num próximo espancamento do que salvar o filho.

Ou talvez apenas fingisse indignação, pois no seu projeto de ascensão social, o que lhe ocorria era oferecer uma compensação ao filho pelo dano sofrido: “Eu mando um über para ele ir agora na brinquedoteca”.

O caso bárbaro do menino Henry, do menino Bernardo, da menina Isabella Nardoni e tantos outros é muito mais de ordem social que legal.

Para o direito, Monique não é cúmplice, é autora.

Homicídio por omissão por ser garante do filho. Omitir nao é mera negligência, é uma escolha ativa, e a lei pune da mesma forma que a comissão.

À polícia, tentou proteger o algoz de Henry no depoimento. Postou uma selfie na delegacia em que aparece sorridente, com os pés sobre uma cadeira, ao lado de um homem.

Mas é melhor punir os culpados ou salvar as crianças?

Monique era a mãe, o miliciano um desconhecido que abusou da criança por meses com o total conhecimento dela.

O amor de mãe é um mito que precisa sair da esfera do tabu e abrir um debate que ainda é pobre no Brasil. As escolas, os pais e nós como sociedade deveríamos estar mais preparados para acolher os pequenos.

Amar não é criar e satisfazer necessidades. Henry estaria vivo se soubéssemos ouvi-lo, apenas isso.

Escutar as crianças, quem elas são, o que têm a dizer, e a partir do seu próprio mundo e própria voz e ajuda-las a encontrar um lugar no mundo não é tarefa apenas dos pais, mas de um país.

Monique Medeiros em selfie tirada na delegacia em dia de depoimento. Foto foi achada pela polícia no celular dela
Sara Vivacqua
Sara Vivacqua é mineira e advogada, necessariamente nessa ordem. Graduada em Direito pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, na Alemanha, onde residiu por 13 anos, reside no Reino Unido desde 2011, onde trabalha como advogada