Caso Mariana Ferrer: 25 parlamentares entram com medida judicial

Atualizado em 14 de julho de 2021 às 7:26

Publicado originalmente em Brasil de Fato

Maria do Rosário foi uma das idealizadoras do projeto. Reprodução.

Um grupo de 25 deputadas federais e uma senadora, de dez diferentes partidos, representadas por três advogadas paulistas, deram entrada no Tribunal de Justiça de Santa Catarina com um pedido de admissibilidade para atuar como amicus curiae (do latim amigas da corte) no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer.

“Seguimos na batalha para que haja condenação em segunda instância. Oremos para que os desembargadores do TJSC façam justiça”, ressaltou Ferrer ao Brasil de Fato.

A influenciadora foi dopada e violentada sexualmente em um clube de luxo em Florianópolis (SC), durante a festa de abertura do verão Music Sunset. O evento aconteceu no clube de praia Café de la Musique, em Jurerê Internacional, praia conhecida por ser reduto de ricos e famosos.

Após ser dopada, Ferrer passou por amnésia temporária por mais de 3 horas. Devido aos efeitos do dopping, ela não lembra o que aconteceu e não se recorda do rosto do agressor. No dia seguinte ao crime, registrou um boletim de ocorrência (B.O).

Com base nas investigações da Polícia Civil, o Ministério Público apontou na denúncia o empresário André de Camargo Aranha como autor do crime estupro de vulnerável. O nome do empresário nunca foi mencionado por Ferrer.

“Eu nunca indiquei nomes pois fui dopada e não lembro de homem algum sequer se aproximar de mim. As provas periciais, documentais e testemunhais propiciaram com que a delegada indicasse o réu com precisão. Por isso as pessoas que acompanham mei caso desde o início ficam abismados e indignados com essa sentença torpe”, relata Ferrer.

Na avaliação da deputada federal Maria do Rosário, entrar com um Amicus Curiae num processo como esse é um gesto inovador, pioneiro: “Nunca aconteceu de deputadas se reunirem com o mesmo objetivo em apoio a uma vítima, isso abre também para uma responsabilidade adicional como mulheres na vida política, que é estarmos atentas e procurando enfrentar a violência de gênero aonde quer que ela se manifeste”.

“A violência machista, onde quer que ela se instale, seja violência física, sexual, psicológica, patrimonial como prevê a LMP, seja a circunstancia de violência política, que nós também vivenciamos no ambiente político”, aponta a parlamentar, destacando que no caso de Mariana é sabido os impactos psicológicos e físicos, adicionando a esses a dimensão de violência institucional.

O processo

O episódio, ocorrido em dezembro de 2018, ficou conhecido pelas cenas que demonstraram violações à jovem de 21 anos durante o processo sobre violência sexual. O caso se encontra em segunda instância, sendo que na primeira o réu foi absolvido “in dubio pro reu”, o que mobilizou movimentos de mulheres, operadoras de direito e em particular parlamentares.

“O réu foi abolvido por in dubio pro réu, porque o juiz passou por cima de todas as provas e disse ‘melhor absolver 100 culpados do que condenar um inocente'”, lamenta Ferrer.

“A violência cometida contra Mariana Ferrer continua repercutindo na vida desta jovem. E repercute na vida de todas as jovens e mulheres de todas as idades no Brasil, na medida em que uma vítima faz uma denúncia e é vitimizada dentro do sistema de justiça pela violência institucional. Não é possível que quem sofre violência, de qualquer tipo, sobretudo uma mulher que é alvo desta violência, acreditando nas leis, seja julgada, e os seus algozes sejam inocentados. Ela não foi ouvida devidamente, não foi considerada devidamente, ela não foi defendida devidamente, ela foi humilhada”, afirma a deputada federal Maria do Rosário (PT).

 Amicus Curiae 

Juntamente com a Procuradora Geral da Mulher da Câmara dos Deputados, deputada Teresa Nelma (PSDB), Maria do Rosário abre a lista de assinaturas do pedido.

São seguidas de assinaturas de outras parlamentares autoras e co-autoras de dois Projetos de Lei já aprovados pela Câmara dos Deputados. O PL 5096/2020, que altera o Decreto – Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 – do Código de Processo Penal, para dispor sobre a audiência de instrução e julgamento nos casos de crimes contra a dignidade sexual, e o PL 5091/2020, que altera a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, para tipificar o crime de violência institucional).

Ambos os projetos tramitam no Senado, inspirados pelos fatos que envolveram Mariana Ferrer. O primeiro busca resguardar direitos e integridade das mulheres vítimas de violência sexual em processos judiciais, e o outro altera a Lei de Abuso de Autoridade, caracterizando a violência institucional.

Sobre o caso Mari Ferrer

“Não tenho duvida de que a vítima nesta circunstância de denúncia e do processo é Mari Ferrer, ela foi atacada, desvalorizada, houve tentativa de desqualificá-la, de comprometê-la, de colocar a responsabilidade da violência sobre ela. Isso move uma indignação em todas nós mulheres, e deve nos mover porque a culpa nunca é da vítima. É inaceitável a manipulação de fotos, a exploração de biografias, os ataques virtuais. É totalmente inaceitável o que nós estamos vivendo, e é preciso reverter isto com bases nas nossas leis e nas leis internacionais de direitos humanos das mulheres, e responsabilizar quem estuprou Mariana. Ela tem direito a justiça”, afirmou a deputada.

Caso seja admitido pela justiça, o “amicus curiae” pretende desenvolver duas linhas de argumentação, uma para demonstrar que o processo em si constituiu uma violação aos direitos humanos, tendo como base a legislação brasileira e internacional, e a outra abordará o estado de vulnerabilidade de Mariana Ferrer durante todo o processo.

O pedido foi elaborado pelas advogadas paulistas Gabriela Shizue Soares de Araujo, Maíra Calidone Recchia Bayod e Priscila Pamela dos Santos, que desenvolvem uma advocacia voltada para os direitos das mulheres, ancoradas sobretudo na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação – CEDAW, e a Recomendação Geral 33, de Acesso à Justiça.

Deputadas que assinam o pedido de admissibilidade do Amicus Curiae, são: Tereza Nelma da Silva Porto Viana Soares, PSDB AL; Maria do Rosário Nunes, PT/RS; Sâmia de Souza Bomfim, PSOL/SP; Benedita Souza da Silva Sampaio, PT/RJ; Gleisi Helena Hoffmann, PT/PR; Tábata Cláudia Amaral de Pontes, sem partido; Margarete de Castro Coelho, PP/PI; Erika Jucá Kokay, PT/DF; Celina Leão Hizim Ferreira, Progressista/DF (coordenadora da Bancada Feminina); Fernanda Melchionna e Silva, PSOL/RS; Lídice da Mata e Souza, PSB-BA; Iracema Maria Portella Nunes Nogueira Lima, PP/PI; Taliria Petrone Soares, PSOL/RJ; Maria Auxiliadora Seabra Rezende (Professora Dorinha), Democratas/TO; Marcivania do Socorro da Rocha Flexa, PcdoB/AP; Luísa Canziani dos Santos Silveira, PTB/PR; Marília Valença Arraes de Alencar, PT/PE; Rosa Neide Sandes de Almeida, PT/MT; Luizianne de Oliveira Lins, PT/CE; Viviane da Costa Reis, PSOL/PA; Natália Bastos Bonavides, PT/RN; Maria Perpétua de Almeida, PCdoB/AC; Carmen Emília Bonfá Zanotto, Cidadania/SC; Leda Maria Sadala Brito, Avante/AP; Norma Ayub Alves, DEM/ES; e Senadora Leila Gomes de Barros Rêgo, PSB/DF.