Juliette, Fontenelle e o ‘sotaque neutro’ dos que se pensam artistas. Por Nathalí

Atualizado em 15 de junho de 2022 às 11:15
Juliette, Fontenelle e o 'sotaque neutro' dos que se pensam artistas. Por Nathalí
Cantora e ex-BBB Juliette
Foto: Reprodução

Por Nathalí

Sim, virou moda atacar quem está na crista da onda pra conseguir um pouco de notoriedade – e nem o “tororó” de Anitta deixou claro o suficiente que isso pode dar ruim, muito ruim.

Dessa vez foi Antônia Fontenelle – que eu consideraria uma das bolsonaristas mais burras do Brasil – quem decidiu atacar Juliette depois que a ex-bbb reclamou (mais uma vez) de xenofobia nas redes sociais.
O contexto: ela foi fazer um teste para a dublagem de um filme e pediram pra ela “neutralizar o sotaque”. Fontenelle, é claro, não perdeu a oportunidade de tentar lacrar, ainda que, até então, a situação não tivesse nada a ver com ela.

Sem citar o nome de Juliette, chamando-a apenas de “ex-bbb”, a apresentadora escreveu em suas redes sociais:
“Querida, deixa eu te falar uma coisa. Susana Vieira é carioca. Ela fez a Maria do Carmo, que era uma nordestina. Quando pediram para ela fazer sotaque de nordestina, você acha que ela foi acusar o Aguinaldo Silva ou os diretores da novela de xenofobia? Te manca, vai estudar, para de acusar as pessoas de xenofobia”

Eis o recado pedante da mulher que só ganhou alguma projeção por ser ex-namorada de um ator renomado. Será que ela gostaria que não lhe citassem o nome, chamassem-na apenas de “ex de Marcos Paulo que briga até hoje pela herança”? Como se diz aqui no nordeste: macaco não olha pro rabo.

Para além disso, entretanto, preciso ser justa: neutralizar o sotaque é premissa principal no teatro, no cinema, na dublagem, e Juliette usa, sim, a xenofobia como argumento pra tudo e sem o menor critério (e talvez seja mesmo um pé no saco).
Acontece que essa premissa jamais foi questionada, nem mesmo por qualquer linguista. Ninguém ainda se perguntou: O que é sotaque neutro? Onde esse sotaque nasceu e como o aprendemos? Existe sotaque neutro?
Claro que não. Se a língua é um organismo vivo – e a linguagem é a adequação desse organismo ao sujeito – sotaque neutro não existe, absolutamente. É, geralmente, um sotaque sudestino menos marcado, que acompanha a arte desde sempre.

O que os preparadores de elenco chamam de “neutralizar o sotaque” não é aplicado aos paulistas, cariocas, catarinenses, brasilienses, etc – exceto se forem interpretar nordestinos. Não se trata, portanto, de “neutralização”, trata-se de exclusão do sotaque nordestino fora de uma perspectiva caricata (e muitas vezes grotesca), que pode até não ter um caráter xenofóbico, mas representa, sim, um fato a ser questionado.

Quero dizer que, se Suzana Vieira fosse interpretar uma curitibana, e não uma nordestina, (sequer especificaram de que estado do imenso nordeste a personagem saiu, porque para eles o nordeste é uma coisa só), não haveria tanta preocupação com o sotaque. Sim, isso é tradicional, mas não deveria ser considerado aceitável.
Quando fiz teatro me incomodava, e muito, a exigência de “neutralizar o sotaque”, porque isso significava adequá-lo à parcela de brasileiros que se considera mais Brasil do que o resto do Brasil, e é por isso que a declaração da apresentadora foi tão infeliz quanto todas as outras.

E agora, Fontenelle, aproveitando que você deu a sua carteirada, chegou a minha vez: você não entende de linguagem, e eu doutoranda em crítica cultural e pesquisadora na área, não jogo no time das sororosas incondicionais e te acho, digamos, um “pé no saco” e uma pedra no sapato da democracia – ou, na verdade, nem isso.

Te manca, vai estudar, e pare de atacar os outros pra se promover! Porque o “sotaque neutro” pode até ser uma praxe, e Juliette, frequentemente, uma vitimista chata pra cacete, mas isso não significa que ela seja a única por aqui que precisa falar menos e estudar mais.

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.