A esquerda tem de dialogar com os evangélicos usando o idioma da defesa da vida, do amor e da família. Por Luis F. Miguel

A esquerda se afastou das igrejas evangélicas e acabou cedendo o espaço que resultou na eleição de Bolsonaro em 2018

Atualizado em 20 de agosto de 2022 às 19:02

Por Luis Felipe Miguel

Na Folha de ontem, Juliano Spyer, que é antropólogo, ao que parece especializado no estudo de fiéis evangélicos, assina um artigo intitulado “É a família, estúpido!”

É a velha questão da incapacidade da esquerda dialogar com o eleitorado evangélico. Mais para o final do texto, um conjunto de observações, atribuído ao pastor Henrique Vieira, resume o argumento:

“A esquerda abdicou de falar de família por entendê-la apenas como reprodutora do patriarcado. Também abdicou de falar do amor porque isso ‘não é racional’ (além de ser ‘cafona’); e abdicou de falar de vida porque defender a vida seria ser contra o aborto. Henrique defende que progressistas guardem suas cartilhas e palavras de ordem, e dialoguem com evangélicos usando como idioma a defesa da vida, do amor e da família”.

Trata-se de uma distorção interessada.

Como a esquerda não fala de “vida”? A defesa da vida das mulheres, da população negra, dos povos indígenas, das pessoas LGBT, dos miseráveis e dos despossuídos, tudo isto está no centro do discurso da esquerda. (A posição antiarmamentista também serviria de exemplo.)

A esquerda não fala de “amor”? Mas o tema piegas do “amor contra o ódio” é repetido ad nauseam.

E é por reafirmar que qualquer maneira de amor vale a pena que a esquerda expande sua defesa da “família” para além do formato convencional.

O que se está querendo dizer, com essa crítica falsa, é que a esquerda deveria assumir o discurso religioso conservador sobre família, amor e vida, abdicando de tensioná-lo.

Abrindo mão, em suma, do combate a múltiplas formas de dominação e opressão.

Sem discutir o cerceamento da autonomia das mulheres, a negação dos direitos das crianças, as agressões às pessoas LGBT, os ataques a religiões de matriz africana…

E chegando a episódios lamentáveis, como o desfile de políticos ajoelhados pedindo apoio divino para suas campanhas ou a declaração de nosso candidato presidencial, ontem, colocando a Bíblia em pé de igualdade com a Constituição.

É o de sempre: nunca falta um spin doctor para dizer que o caminho para a esquerda é deixar de ser de esquerda.

Texto publicado originalmente no perfil do facebook Luis Felipe Miguel.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link