“Pelo menos usa camisinha”: Roger, a menina de 11 anos e os estupros bolsonaristas. Por Nathalí

Atualizado em 17 de setembro de 2022 às 10:04
O bolsonarista Roger ao lado de seu ídolo. Foto: Reprodução

Por Nathalí Macedo

Uma criança de 11 anos engravidou pela segunda vez do próprio tio após ser vítima de abusos sexuais no Piauí.

A menina, que já foi acolhida junto com seu bebê e está recebendo auxílio de todos os órgãos envolvidos no sistema de garantia dos direitos da criança e adolescente – Defensoria, MP, Conselho Tutelar e Maternidade – foi afastada provisoriamente da família enquanto o caso é investigado.

A repercussão nacional desse crime desnuda uma verdade triste sobre o Brasil: a nossa sociedade ainda trata o estupro e a pedofilia como anomalias, doenças, fenômenos não integrados ao sistema patriarcal.

Ledo engano: é justamente o contrário. Gente como o estuprador dessa pobre criança de 11 anos, ou os 66 criminosos que foram presos em junho deste ano por portarem pornografia infantil, são produtos sadios de um patriarcado doente.

Estupradores não são exceção. Como temos dito há algum tempo, todo homem é um estuprador em potencial – pois todos eles foram criados em um sistema que naturaliza e endossa o estupro, e esta não pode continuar sendo uma realidade em pleno século XXI.

Mais do que isso, condutas como esta ainda são criminosamente naturalizadas por gente que é – embora não devesse ser – influente na mídia.

Foi o caso de Roger, do Ultraje a Rigor (aquele da música “Inútil”, que, depois disso, não fez mais nada na vida além de falar m*rda), que, ao compartilhar um post sobre o caso, comentou:

“Agora vê se para de meter, p*rra! Ou pelo menos usa camisinha!”

Essa legenda é errada de tantas formas que é difícil saber por onde começar.

Primeiro, a vulgaridade com que ele fala do estupro de uma criança é algo no mínimo sórdido. Tão obscena quanto o próprio crime.

A piada do imbecil Roger Moreira

Estuprar uma criança não é simplesmente “meter”. É destruir uma infância, é marcar um ser humano para sempre, de modo talvez irreversível. É monstruoso, enfim.

Segundo, aconselhar que estupradores usem camisinha quando forem estuprar crianças é o mesmo que endossar o estupro. É como dizer: estupre, apenas não deixe rastros. É o ápice da sordidez humana, a mais aguda naturalização do inaceitável.

Tudo bem, vivemos em um país no qual aparentemente qualquer coisa pode ser dita, mas apologia à pedofilia e vai ficar por isso mesmo?

Para além de não haver veículos de mídia – além, é claro, do DCM – denunciando esse absurdo, as próprias redes sociais permitem que esse tipo de discurso passe batido em suas plataformas – enquanto censuram mamilos femininos.

Nós não podemos ser coniventes com a naturalização do absurdo.

Uma menina de 11 anos engravidar do próprio tio por duas vezes seguidas não pode ser algo natural. Um dito “artista” sugerir que estupradores usem camisinha não pode ser algo natural.

Como disse Albert Camus, é preciso substituir a resignação pela indignação – mesmo quando se mora no Brasil, o lugar onde o absurdo é tão corriqueiro que se torna a cada dia mais difícil se indignar.

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.