Neymar está sendo alvo de uma enxurrada de críticas na França depois que divulgou um vídeo de apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Mas isso não é uma novidade no “séjour” do jogador. Os ataques refletem um mal-estar que se instalou depois de sua chegada ao Paris Saint-Germain.
“Atenção, acrobacia realizada por um profissional. Na semana passada, Neymar acusava a Espanha inteira de racismo. Essa semana, ele envia uma mensagem de apoio a Bolsonaro”, observa a internauta Anna Carreau.
Attention, acrobatie réalisée par un professionnel. La semaine passée Neymar accusait toute l’Espagne de racisme, cette semaine il envoie un message de soutien à Bolsonaro. https://t.co/A8SP1P52Ek
— Anna Carreau (@annacarreau) September 29, 2022
O ex-santista havia posado com uma faixa contra o racismo, em suposta solidariedade com Richarlison, alvo de ataques em pleno campo.
A atitude de Neymar repercutiu também na política. “Neymar, filho do povo, apoia o bilionário fascista Bolsonaro. Ele esqueceu rápido de onde veio e das crianças das favelas brasileiras! Viva Lula 2022, Lula Presidente”, reagiu senador francês Jeremy Bacchi, em sua conta no Twitter.
#Neymar enfant du peuple soutient le milliardaire fasciste #Bolsonaro. Il a bien vite oublié d’où il venait et les enfants des bidonvilles brésiliens ! Vive #lula2022 #TeamOm #LulaPresidente pic.twitter.com/pNwvkd5Rhu
— Jeremy Bacchi (@JeremyBacchi) September 30, 2022
“É preciso elogiar todos os esforços de Neymar para se tornar detestável. É brilhante!”, ironiza Thibaud Leplat, no Twitter.
Il faut saluer tous les efforts fournis par Neymar pour se rendre détestable. C’est remarquable. https://t.co/dwr5fi8wmA
— Thibaud Leplat (@tleplat) September 30, 2022
“Bolsonaro é o candidato da oligarquia, encarnação da convergência entre extrema direita e neoliberalismo. Fazendo parte dessa oligarquia, ele apenas vota por seus interesses. No topo, o racismo não é mais um problema. Eles pertencem todos à mesma casta”, disse o internauta Doudax.
Bolsonaro est le candidat de l’oligarchie, l’incarnation de la convergence entre extrême droite et néolibéralisme
Neymar faisant partie de cette oligarchie il vote pour ses intérêts tout simplement
Au sommet le racisme n’est plus un problème ils appartiennent tous à la même caste https://t.co/ikCfW3i8CF— Doudax ?? (@Doudax__) September 30, 2022
“Neymar apoia a extrema direita nostálgica da ditadura militar. Cristiano Ronaldo é simpatizante de Jordan Peterson, um masculinista ultraconservador. Os azuis (seleção francesa) se recusam a boicotar o Qatar. Dividamos o salário de todos esses atletas multimilionários por 1000!”, propõe Sasha Anxty.
Neymar soutient l'extrême-droite nostalgique de la dictature militaire. Cristiano Ronaldo est sympathisant de Jordan Peterson, un masculiniste ultra-conservateur. Les bleus refusent de boycotter Qatar. Divisons le salaire de tous ces athlètes multimillionaires par 1000 ! https://t.co/Bczl26Sreq
— sasha anxty (@yeezlouise) September 30, 2022
“Isso me parece evidente, mas respondo. Interessante saber que Neymar apoia um candidato propagador de infox perigosas no Brasil. Vocês vão me dizer ‘não é problema dele, ele é jogador de futebol’. Eu lhes respondo ‘nesse caso, que ele guarde sua escolha para si”, tuitou o jornalista Julien Pain.
Cela me parait évident, mais je réponds. Il me semble intéressant de savoir que Neymar soutient un candidat propagateur d’intox dangereuses au Brésil. Vous allez me dire, “c’est pas son problème il est footballeur”. Je vous réponds « dans ce cas qu’il garde son choix pour lui » pic.twitter.com/396Zjlnxnk
— Julien Pain (@JulienPain) September 30, 2022
“Neymar, empregado do Qatar, manifesta seu apoio a Jair Bolsonaro. O emirado árabe e o presidente brasileiro só mostram pontos comuns: a homofobia, a misoginia de Estado, fundamentalismo religioso, crimes climáticos, ódio aos pobres”, tuitou o jornalista Donatien Huet.
Neymar, employé du Qatar, apporte son soutien à Jair Bolsonaro. L’émirat arabique et le président brésilien ne manquent pas de points communs : homophobie et misogynie d’État, fondamentalisme religieux, crimes climatiques, haine des pauvres. https://t.co/aVYQ8Z58ms
— Donatien Huet (@dodonatien) September 30, 2022
“Não custa nada dizer ‘Neymar, você é uma grande merda humana mas eu gosto do seu futebol’. Francamente, isso não custa nada e assim vocês passariam menos por merdas, estou morrendo de rir”, ironiza uma internauta.
https://twitter.com/Saaaaab78/status/1575801550580039681
Um internauta disse que vai deixar de torcer pelo Paris Saint-Germain (PSG), time no qual joga Neymar. “Na verdade, eu não posso mais ser torcedor do PSG. Entre as questões ecológicas debochadas, o Qatar e todos os escândalos que sabemos, Neymar que apoia Bolsonaro. Não é mais meu time, eu não me vejo mais de jeito nenhum nele. Eu vou torcer pelo FC Nantes”.
En vrai j’en peux plus d’être supporter du PSG. Entre les questions écologiques moquées, le Qatar et tous scandales qu’on sait, Neymar qui soutient Bolsonaro. C’est plus mon club, je ne me retrouve plus du tout dedans. Je vais m’allier à @TalkMyFootball et supporter le FC Nantes
— Hippotichat ? (@HLeibovici) September 30, 2022
O site francês especializado em geopolítica do esporte considerou a atitude de Neymar “ridícula e sem desenvoltura”.
https://twitter.com/FCGeopolitics/status/1575734500218531840
A ponta de um iceberg
Se para os franceses, Neymar é símbolo de talento esportivo, sua imagem nem sempre foi só de rosas no país gaulês.
Do ponto de vista esportivo, sua vontade de voltar em 2019 para o FC Barcelona, o Barça, lhe rendeu as vaias dos torcedores parisienses.
Seu desempenho foi considerado decepcionante em diferentes ocasiões. Ainda em março deste ano, a imprensa esportiva francesa considerava que ele era apenas uma “sombra de si mesmo”, como disse o MaxiFoot.
“Ferimentos, mau preparo físico, crises de confiança, o homem mais caro da história perdeu sua magia, a tal ponto que ele se tornou o jogador mais detestado pelos torcedores do Paris Saint-Germain”.
O portal citava uma reportagem sobre o círculo “tóxico” de amigos “puramente festeiros” de Neymar como responsável por uma má influência sobre o jogador.
A trupe é conhecida internacionalmente. Já chamou a atenção inclusive do The Sun, jornal mais popular do Reino Unido. “Das festas da moda de elite às férias chiques, a super-estrela brasileira sabe como viver. E se você tiver sorte, você vai fazer parte do circulo íntimo de Neymar, que vive em alto nível com ele”.
“Existe uma piada popular no Brasil de que se você é amigo do Neymar, você não vai sentir a crise econômica atual e o desemprego que assolam o país”, ironiza.
De acordo com o The Sun, Gil Cebola, Jota Amancio e Carlos Henrique vivem com ele numa mansão que vale milhões de euros em Bougival. A cidade fica numa região burguesa da zona metropolitana de Paris.
Segundo o jornal inglês, eles foram juntos para a cidade litorânea de Saint Tropez, logo que Neymar se mudou para a região parisiense, para uma festa privada à beira da praia. “Presentes no clube viram 12 garrafas de champagne entregues à sua mesa, enquanto uma versão de funk do hino nacional brasileiro tocava”.
O periódico lembra o testemunho do jogador de basquete Draymond Green em entrevista à ESPN: “Vimos estrelas na América e é maravilhoso. Mas (futebolistas como Neymar) são estrelas num nível completamente diferente por lá. É insano. É como um grande culto”.
Mas a opulência encontra limites. “Prolongado até junho de 2025, Neymar não tem mais escolha. Pago a preço de ouro, o ex-jogador do FC Barcelona sabe que nenhum outro time vai lhe permitir obter tamanha remuneração depois de tantas lesões e passados os 30 anos. Se ele quiser subir de nível, o sul-americano devera cometer violência contra si mesmo fazendo uma triagem no seu meio para tentar reconquistar o coração dos fãs parisienses. Ele já o havia feito depois de seu 2019 tumultuado”, afirma Youcef Touaitia no site MaxiFoot.
Em 2021, Neymar suscitava um incômodo por suas emoções. O portal France Football perguntava: “A questão que incomoda: o problema de Neymar é (unicamente) físico?”
Em meio às inúmeras lesões, membros da equipe técnica o qualificavam de “impaciente”. “Ele tem tanta vontade de jogar que ele se torna tenso”, dizia Christophe Galtier.
“Podemos escrever com segurança que o numero 10 do PSG é um emotivo. Basta ver a maneira como ele reage (no Instagram) a cada vez que um machucado lhe priva do que ele mais gosta: jogar. Ou ainda suas reações epidérmicas no campo quando o adversário lhe toma como alvo, o que acontece geralmente (demais)”, analisa o France Football.
“Daí a considerar que o principal inimigo de Neymar não é seu corpo, mas suas mente? A questão merece um exame aprofundado”.
Sites especializados da França buscaram a resposta no campo político. Em una análise do SoFoot, o apoio de Neymar a Bolsonaro reflete um padrão ideológico entre os futebolistas brasileiros desconcertante.
“Do ponto de vista europeu, observar jogadores negros ou mestiços apoiar um político de extrema direita suscita imediatamente uma multidão de interrogações. No entanto, além do simples militantismo, as causas e explicações são diversas. Longe de serem lideres de opinião, os esportistas parecem sobretudo seguir o cenário mais favorável”, diz Abel Bentaha no site francês SoFoot.
“Influência, desconhecimento, negação ou simples posição assumida, as ligações unindo os futebolistas brasileiros à extrema direita, personificada por Bolsonaro, permanecem tão complexos quanto numerosos. E enquanto Neymar fizer seu papel de instrumento político maleável à vontade, o vapor não deve se inverter”.
No mesmo portal, o correspondente Alexandre Berthaud identifica uma continuidade entre o uso do esporte pela ditadura militar sob Médici e a retomada dessa estratégia pelo atual presidente.
“Bom conhecedor da aristocracia brasileira, Jair Bolsonaro tinha outro objetivo, menos visível, multiplicando as apariçeos em uniforme de futebol. Mais do que os torcedores, o presidente visa aos proprietários dos times”.
A atitude de Neymar reflete nesse cenário a de um emaranhado de relações históricas entre poder econômico e o uso da força.
“Uma posição que na verdade não choca dentro da Seleção, na qual o presidente em exercício tem partidários fervorosos apesar de sua tendência à extrema direita e admiração pelo poder militar”, observa Guillaume Conte, do portal francês Foot01.
Uma ambição que se adapta ao ocupante do poder. “Muitos especialistas tendem a lembrar que o jogador do Paris SG é sobretudo oportunista, e apoia o presidente do momento para satisfazer seus interesses. Fotos e mensagens vieram à tona de sua época no Santos, nas quais ele se mostrava muito próximo de Lula, totalmente oposto a Bolsonaro”, diz Conte.
Em linhas gerais, Neymar consolidou na Europa a imagem de um sujeito imaturo, movido pela causa própria, a expressão de um grupo patriarcal, violento, racista, a opulenta elite brasileira. Ostentação vulgar da concentração excessiva de capital. Apologia da miséria humana.