
A eleição brasileira mobiliza dentro e fora do país. Em Portugal, o deputado José Soeiro, do partido Bloco de Esquerda, dedicou sua coluna desta semana no jornal Expresso ao pleito brasileiro. O sociólogo traça o perfil de Jair Bolsonaro, que qualifica de “exemplo acabado de um político corrupto”. E aponta o risco de morte para a democracia brasileira com impactos mundiais se Lula não sair vitorioso no segundo turno.
“É bom lembrar, Bolsonaro é um apologista confesso da ditadura militar, dos seus assassinatos e da tortura, sendo múltiplas as declarações nesse sentido e simbólico o elogio ao torturador de Dilma na votação do impeachment”.
“Ataca a separação de poderes e o Supremo Tribunal Federal se este não alinha pelo seu diapasão. Promoveu de forma desabrida a destruição da Amazónia, o que constitui uma tragédia para o mundo inteiro. Instiga a violência política contra os seus adversários – vários apoiantes de Lula foram assassinados nos últimos meses por bolsonaristas, em jantares, festas de família ou na rua. Defende abertamente a desigualdade entre mulheres e homens, a discriminação das minorias sexuais, o ataque às populações indígenas, o negacionismo científico e climático”, enumera.
“As 600 mil mortes registadas na pandemia têm sido classificadas por muitos como um genocídio que é em grande medida um efeito das suas políticas. Bolsonaro advoga a ausência de fronteiras entre política e confessionalismo religioso, cultivando uma relação de concubinato com o fundamentalismo evangélico”.
“Ao mesmo tempo que brada contra a ‘corrupção’, é o exemplo acabado de um político corrupto: comprou 51 imóveis com dinheiro vivo nos últimos anos, desde que entrou para a política, no valor de mais de 5 milhões de euros”, critica.
“E, para gáudio de algumas elites económicas saudosas do escravismo, executa um recuo do Estado em todas as suas funções sociais, estando filiado no ‘Partido Liberal’, sublinhado por essa via o seu compromisso com o capitalismo extrativista e de acumulação sem regras, o qual conviveu vibrantemente, em tantos momentos históricos, com soluções políticas autoritárias”.
“Nas próximas semanas, será cavalgada por Bolsonaro a disparidade entre as sondagens e os resultados da primeira volta nas eleições brasileiras. Não lhe restando espaço para continuar a campanha contra o voto em urna eletrônica, como ensaiou, usará a seu favor o hiato entre o peso eleitoral que teve e as previsões publicadas”, prevê.
“De resto, como tem sido abundantemente assinalado, a extrema-direita brasileira já teve uma vitória: a eleição de vários senadores e congressistas garante-lhe um peso significativo no próximo ciclo político e condições de reprodução da sua influência política e social, mesmo que Bolsonaro perca, como é provável, as eleições para presidente. A esta influência institucional soma-se uma força social organizada, com as suas bolhas comunicacionais, a sua máquina de notícias falsas, milhares de armas distribuídas pela população civil e importantes posições da extrema-direita no aparelho de Estado”, analisa.
Lula, por seu lado, sendo a esperança que resta para que a democracia política sobreviva, está numa camisa de forças. A estratégia traçada foi a de colocar a clivagem não entre a esquerda e a direita, mas entre o campo democrático e o campo fascista, porque é essa a escolha real que se coloca na eleição presidencial no Brasil. Por isso, junto a Lula estão vários setores de direita, incluindo o seu vice-presidente, Geraldo Alkmin”.
“O apoio de Ciro Gomes e de Simone Tebet significará novos compromissos com o centrão, com o capital financeiro e com os setores mais poderosos da sociedade brasileira, que não querem nenhuma alteração na estrutura profunda de desigualdade”, acredita.
Na visão do político e pesquisador, o primeiro turno não foi inteiramente uma catástrofe.
“Nem tudo foi mau no passado domingo, é verdade. Lula leva uma vantagem de 6 milhões de votos sobre Bolsonaro, o seu partido até teve mais deputados (subiu de 54 para 80), o PSOL (partido anticapitalista que nasceu como cisão à esquerda do PT, e que apoia Lula nesta eleição) elegeu a sua maior bancada de sempre, há uma maior diversidade social na composição dos eleitos (com uma bancada indígena, por exemplo), várias figuras da direita não conseguiriam fazer-se eleger, lideranças como a de Guilherme Boulos (do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e ex-candidato presidencial) confirmaram nas urnas a sua força”, pondera.
“Mas os problemas de Lula e do campo progressista não se esfumarão com a vitória eleitoral mais que desejável na segunda volta. Essa vitória provável, ao mesmo tempo que será um alívio contra a barbárie, ditará também o início de uma conjuntura de dificuldades e de um precário equilíbrio entre interesses contraditórios”.
No país vizinho, as esperanças também são depositadas em Lula. Em sua coluna no programa “Hoy por Hoy”, da rádio Cadena Ser, a mais ouvida da Espanha, Maruja Torres prometeu um brinde “se Lula da Silva ganhar”.
Ela cita o momento em que viu o ex-presidente pela primeira vez pela televisão no final dos anos 1980 e a adesão da pobre comunidade jesuíta de Mato Grosso; próxima da Teologia da Libertação, ao então candidato de esquerda.
“Meus jesuítas vibravam por Lula, que naquela época foi vencido pela direita, claro. Se no próximo dia 30 voltar a ganhar o pior de um Brasil ainda mais brutal que o de faz quase 33 anos, chorarei pela lembrança de meus jesuítas. Mas se ganhar, brindarei por eles”, afirma.