“Espero que militares percebam que convém pacificar a relação”, diz Mujica sobre governo Lula

Atualizado em 1 de janeiro de 2023 às 15:38
Pepe Mujica e Lula
Foto: Reprodução

O ex-presidente do Uruguai José Pepe Mujica (2010 a 2015) foi convidado pelo presidente uruguaio, o conservador Luis Lacalle Pou, para integrar a comitiva oficial, junto ao também ex-presidente Julio Maria Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) para a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um gesto de civilidade política que contrasta com o momento atual do Brasil, no qual o presidente que deixa o mandato decidiu não passar a faixa para o que assume.

Em entrevista ao jornal O Globo, Pepe Mujica disse que as coisas que estão acontecendo no Brasil entram em contradição com sua própria História, pois não trazem alegria. Questionado sobre a relação de Lula com o mundo militar nesse período delicado, ele afirmou que é fundamental conversar e relacionar-se com as Forças Armadas. O ex-presidente do Uruguai disse ainda esperar que “os militares brasileiros percebam que convém pacificar a relação e respeitar o funcionamento institucional com todas as dificuldades que possam existir.”

Veja as principais perguntas e respostas:

O governo do Uruguai terá um presidente e dois ex-presidentes na posse de Lula, na qual o presidente que deixa o poder, Jair Bolsonaro, não colocará a faixa presidencial em seu sucessor. Que contraste, não?

Estas coisas que estão acontecendo no Brasil entram em contradição com sua própria História. Uma das características que definem o Brasil é que sempre foi o país da alegria. Por isso é muito difícil aceitar a imagem de um Brasil de confrontos, endurecido, sem diálogo. Essas coisas ferem a tradição brasileira. Decidimos acompanhar o presidente de nosso país, e não é a primeira vez que isso acontece.

(…)

Lula governará com meio Brasil que votou contra ele…

Sim, a arte da política, no médio e longo prazo, é transformar os inimigos, senão em amigos, pelo menos em adversários. Esse é o desafio que ele tem pela frente, para que o Brasil possa voltar a ser o país da alegria. Os que conhecemos Lula também esperamos que a América Latina volte a ter uma presença no mundo, estávamos apagados do planeta. Viramos uma espécie de zero à esquerda. Sei perfeitamente que na visão política de Lula a presença internacional é importante, por momentos, determinante. Estamos enfrentando uma mudança de época, e estamos atrasados. Temos recursos naturais, mas nos falta capacidade. E temos uma dívida social com nossos povos muito grande. Tenho esperança, porque vi que Lula formou um governo diverso.

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O senhor acompanhou a formação do Gabinete?

Sim, e vi que Lula fez uma política de alianças sem precedentes na América Latina. O que vemos não é apenas o PT. É, acima de tudo, um grito de afirmação da democracia republicana diante do perigo do autoritarismo. Estão aparecendo novos poderes, como o mundo informático, a concentração financeira. Nesse mundo, Lula deve demonstrar a importância da política.

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Este Gabinete dará governabilidade a Lula?

Sim, justamente pela política de alianças que ele fez. Lula não fará um governo radical, acho que buscará fazer um governo de base ampla, mas sem abrir mão de seu profundo compromisso com os setores mais humildes da sociedade. Deverá fazer equilíbrios, alguns serão difíceis.

(…)

Como avalia o papel das Forças Armadas brasileiras no atual contexto político? Preocupa-o a relação entre Lula e os militares?

Uma pessoa muito velha disse que a guerra é a continuidade da política por outros meios. No fundo, o mundo militar também tem preocupações políticas. Espero que predomine o sentimento nacionalista tradicional das Forças Armadas, e, se não acompanharem com calor, entusiasmo, que sejam parte dessa mudança cultural, da qual o Brasil tanto precisa. Isso não quer dizer que todos devem estar de acordo em tudo, mas, pela experiência do que já aconteceu na História da América e do Brasil, espero que os militares brasileiros percebam que convém pacificar a relação e respeitar o funcionamento institucional com todas as dificuldades que possam existir. Como dizia [Winston] Churchill, por enquanto a democracia representativa é a melhor porcaria que conseguimos inventar. Não é perfeita, nem pode ser porque não somos perfeitos os seres humanos. Por isso precisamos de instituições que funcionem. Hoje é o que temos e temos de defendê-la. Apostamos em que os militares também entendem isso.

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