A degradação do debate público se deve a Olavo de Carvalho. Por Luís Felipe Miguel

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 0:28
Olavo de Carvalho e seu pequeno busto
Olavo de Carvalho e seu pequeno busto. Foto: Divulgação

Hoje faz um ano que Olavo morreu.

Figura singular, foi astrólogo profissional, místico muçulmano, fundamentalista cristão. Deu a si mesmo o título de “filósofo” e engambelou milhares de pessoas num curso de “filosofia” que consistia em digressões sobre tudo e sobre nada, autoelogios e, sobretudo, pancadas nos desafetos. Polemista que primava mais pela truculência do que pela sutileza dos argumentos, ganhou espaço numa imprensa que buscava desesperadamente um porta-voz da direita desavergonhada.

É necessário reconhecer os talentos de Olavo de Carvalho. Ele soube identificar, precocemente, o potencial das novas mídias – e de blogueiro a youtuber e tuiteiro, se projetou por meio delas.

Mais ainda, percebeu a existência de um vasto contingente de semiletrados, muitos deles portadores de diplomas, que simultaneamente desdenhavam e invejavam os signos de capacitação intelectual. Deu a eles o que queriam: fartas doses de sarcasmo grosseiro sobre o conhecimento estabelecido e o acesso a um pretenso saber alternativo e superior.

Com isso, ele foi capaz de encarnar as faces contraditórias da guerra ao conhecimento, que a extrema-direita trava.

Olavo também antecipou muito do que Bolsonaro representa. Mesclou o anticomunismo mais tacanho e a nostalgia da ditadura com o cristianismo reacionário. Fez da grosseria e da agressividade índices de autenticidade. Passava ao mesmo tempo por guru único, infalível, e “gente como a gente”.

Em 2014, escrevi uma espécie de epitáfio para Olavo – não podia estar mais equivocado. O texto, que me rendeu alguns xingamentos pouco inspirados dele, observava que, na concorrência com Azevedos, Constantinos, Pondés e Mainardis, Olavo tinha primazia: “É ele quem solta os impropérios mais altissonantes e descabidos, quem alegra a plateia com sua falta de noção. É o Chacrinha da direita brasileira.”

Mas, eu continuava, ele já tinha cansado: “Quem ainda se diverte ao vê-lo falar da comunização do Brasil? Quem presta atenção em seus alertas de que há um marxista gay em cada esquina, pronto a destruir a civilização ocidental com uma medida de proteção ao trabalho ou um beijo em alguém do mesmo sexo?”

E concluía: “Olavo parece uma corista envelhecida e exausta, repetindo mecanicamente os mesmos rebolados. Não é mais o Chacrinha. Hoje, Olavo de Carvalho é a chacrete da direita hidrófoba.”

Errei feio, errei rude. A onda bolsonarista colocou Olavo no auge e o velho charlatão, quem diria, virou ideólogo quase oficial do governo de um país de mais de 200 milhões pessoas.

Seu legado está aí: desonestidade intelectual, ignorância autossuficiente, desprezo pela civilidade e pela troca de argumentos, violência verbal. Se o debate público no Brasil está tão degradado, muito se deve à influência dele. Olavo morreu, mas ainda temos que desfazer o mal que ele fez.

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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.