O escárnio gordofóbico do bolsonarista Nikolas Ferreira não pode ficar impune. Por Nathalí

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 0:18
Nikolas Ferreira e Thais Carla
Foto: Reprodução

Entre tantas coisas terríveis que o bolsonarismo pariu – mamadeira de piroca, terraplanismo, Carluxo etc –, talvez a pior seja a normalização de se poder dizer qualquer coisa na internet.

Como fiel bolsonarista que é, o deputado Nikolas Ferreira (PL/MG) seguiu bem a receita: ele usou o Twitter para fazer um comentário sobre o corpo da influenciadora e ex-bailarina de Anitta Thaís Carla, reagindo a um ensaio inspirado na Globeleza, que tinha como intuito incluir o corpo gordo em um carnaval tão padronizador.

“Tiraram a beleza e ficou só o globo”, escreveu o sujeito.

A influenciadora, é claro, rebateu o comentário: “Tá com advogado, né, Chupetinha?”, perguntou, relembrando o apelido do deputado.

Em vez de se retratar, ele foi ainda mais jocoso: postou uma foto digitalmente modificada de si mesmo, em que aparece gordo, com a legenda: “Pronto, agora eu tenho lugar de fala”, e não satisfeito gravou um vídeo debochando da situação:

“Vim aqui pedir desculpas. Onde eu estava com a cabeça de chamar uma gorda de gorda? Um deputado não pode dar uma opinião… Eu deveria tratar obesidade como um romance, como empoderamento e não como uma doença”, falou.

Eu honestamente não sei qual parte dessa história é a pior, mas uma coisa salta aos olhos. Quando confrontado e chamado de gordofóbico, a estratégia ridícula de Nikolas foi a cartada da obesidade como doença. As pessoas gordofóbicas adoram essa justificativa, porque faz parecer que estão preocupadas com a saúde das pessoas gordas, e não excluindo e ridicularizando seus corpos.

Se o deputado estivesse preocupado com a obesidade enquanto questão de saúde pública – o que é, aliás, uma de suas obrigações -, não viria a público desqualificar o corpo de uma mulher: aprovaria leis com políticas públicas de inclusão para esses corpos.

Não me atrevo, contudo, a esperar tanto de um bolsominion. Obviamente, não era essa a preocupação: o fato é que o bolsonarismo inaugurou a ideia de que homens feitos e eleitos democraticamente têm a prerrogativa de se comportarem como meninos da quinta série, que podem ofender quantas minorias desejarem sem qualquer consequência.

Alto lá, Chupetinha: desde janeiro de 2023, o Brasil não é mais bagunça. É inadmissível que, em um governo dito democrático, um deputado possa ofender impunemente um segmento inteiro de pessoas – nesse caso, as pessoas gordas.

Nikolas precisa ser responsabilizado por seus atos. A reincidência da gordofobia nas redes sociais – um crime cibernético, é bom lembrar – só transparece a certeza de sua impunidade, e está mais do que na hora de alguém mostrar a esses homens feitos que se comportam como moleques que a Câmara não é lugar de fanfarrão preconceituoso.

Quando se permite que um político – um dos mais influentes nas redes sociais da extrema direita, que fique claro – ofenda uma minoria recorrentemente sem consequências, o recado fica claro: é permitido ser preconceituoso e sair impune no Brasil.

O Twitter pode até ser terra de ninguém, mas a Câmara dos Deputados não é – ou ao menos não mais. A cassação do mandato de Nikolas Ferreira é uma questão de honra para as minorias brasileiras.

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.