A autonomia do Banco Central impede políticas que contrariem o mercado. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 0:18
Jair Bolsonaro e Roberto Campos Neto. Reprodução

Publicado originalmente no Facebook de Luis Felipe Miguel

Há dois tipos de órgãos estatais para os quais é razoável conceder autonomia.

O primeiro são os órgãos de natureza eminentemente técnica – como a vigilância sanitária, por exemplo. É melhor deixar a Anvisa definir quais medicamentos são autorizados do que passar uma lei no Congresso dizendo que a fosfoetanolamina sintética cura câncer (como de fato ocorreu, anos atrás).

Em casos assim, transparência e uma supervisão administrativa externa servem para conter eventuais abusos ou tráfico de influência.

O outro caso é de órgãos para quem uma ampla autonomia é parte integrante da definição de suas atividades. Como as universidades, por exemplo. Prestando contas de suas atividades como qualquer outro corpo do Estado, são controlados também pela própria diversidade interna.

O Banco Central não se enquadra em nenhum dos dois casos. De fato, o primeiro golpe do discurso da autonomia é passar a falsa ideia de que a gestão monetária é uma questão técnica, como se determinada ortodoxia fosse “neutra” – e todas as outras correntes do pensamento econômico, “políticas”.

O BC “independente” retira do governo mecanismos centrais de gestão da economia. Na prática, a “autonomia” impede a adoção de políticas que contrariem os interesses do mercado financeiro.

A coisa piora quando o presidente do órgão vem de um governo de gente desqualificada – e ele próprio não esconde seu partidarismo. Restam pouca dúvida de que Roberto Campos Neto age não apenas por convicção dogmática, mas também pelo desejo de prejudicar o governo Lula, impedindo-o de entregar a recuperação econômica que prometeu.

Quando o golpista Temer assumiu, ele imediatamente revogou a independência editorial da Empresa Brasil de Comunicação e substituiu seu presidente – uma medida arbitrária, mas que foi aceita sem qualquer reação.

É diferente com Lula e o BC. Políticos conservadores, mesmo aliados do governo, grandes empresários e a mídia já fazem um carnaval. Mas essa batalha é crucial para fazer um governo em favor dos pobres e dos trabalhadores.

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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.