
Nathalí Macedo
Na Copa do Mundo de 2014 – a essa altura, muito racismo já havia sido destilado pelas torcidas ao redor do mundo – a FIFA escreveu um simpático texto antirracista a ser lido antes dos jogos:
“Rejeitamos qualquer tipo de discriminação de raça, orientação sexual, origem ou religião. Por meio do poder do futebol, podemos ajudar e livrar o nosso esporte e a nossa sociedade do racismo. Assumimos o compromisso de perseguir esse objetivo e contamos com você para nos ajudar nesta luta”.
Isso me lembra estranhamente – ou não – da Rede Globo, que faz seu discurso antirracista de maneira irretocável, mas permite que Patícia Poeta interrompa Manoel Soares – colega de palco negro -, inclusive quando o assunto é racismo.
Na verdade, sei de onde tirei essa associação: ambos lançam mão da mesma hipocrisia.
Eis que o jogador de futebol Vinicius Junior, destaque no Real Madrid, tem aproveitado muito bem a oportunidade de desmascarar essa hipocrisia e escancarar – ainda mais – o racismo no meio futebolístico.

“A cada rodada fora de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos… Tudo registrado. Mas o discurso sempre cai em ‘casos isolados’, ‘um torcedor’. Não são casos isolados. São episódios contínuos espalhados por várias cidades da Espanha e até em um programa de televisão (…) As provas estão aí no vídeo. Agora, pergunto: quantos desses racistas tiveram nomes e fotos expostos em sites? Eu respondo para facilitar: zero. Nenhum pra contar uma história triste ou pedir aquelas falsas desculpas públicas”, desabafou.
Embora o processo de educação – sobretudo de preconceitos arraigados, como o racismo – é lenta e difícil. Mas o que Vini Júnior vem fazendo nos últimos dias é épico: denunciar o racismo em um país racista, sobretudo um país que não é o seu, é um ato de grande coragem.
Até agora, sete torcedores foram presos e o país debate o racismo como nunca antes. Quem, na história do futebol, conseguiu essa façanha?
“Está claro que é mais fácil falar do que fazer, mas temos que fazer e apoiar um processo de educação”, afirmou o presidente da Fifa, Gianni Infantino, com toda razão.
O que Vini iniciou talvez seja – e muito provavelmente é – um pontapé importantíssimo para o debate sobre racismo no mundo. Uma inspiração para que outros jogadores negros quebrem o silêncio e lutem por mais respeito e dignidade e um choque de realidade em um país como a Espanha.
Quantos jogadores negros já sofreram injúrias raciais em campo? E quantos deles fizeram o que Vini Jr fez?
Ver as coisas sob essa perspectiva – embora necessário – acaba por colocar nas vítimas a responsabilidade de combater o racismo que sofrem. Vini Júnior não deveria precisar lutar pra não sofrer episódios de injúria racial. Esse movimento – que aparentemente tende a crescer – é importantíssimo, mas não é uma responsabilidade das vítimas, e sim dos clubes e da própria FIFA – de preferência fazendo mais do que um texto antirracista.
Esta tem sido, entretanto, considerada a maior batalha do futebol nos últimos tempos. Já que as coisas não mudam de cima pra baixo – que mais jogadores assumam a coragem de Vini Jr, até que o repúdio ao racismo saia do papel.