Ali babá de uma República presidencialista desviada. Por J. Carlos de Assis

Atualizado em 4 de junho de 2023 às 15:13
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Reprodução

Por José Carlos de Assis*

O senhor Arthur Lira não preside a Câmara enquanto um poder institucional do Estado que ajuda o governo a desenvolver  econômica e socialmente o país. Quer, simplesmente, fazer da presidência da Casa um instrumento institucional para garantir a posição que lhe assegurou, no governo Bolsonaro, o controle da  caverna de Ali Babá, através do Centrão, e a que certos parlamentares (seriam apenas 40?) querem ter  acesso de forma permanente através do  chamado “orçamento secreto”.

O presidente Lula, obrigado pela composição do Congresso a conviver com forças conflitantes, foi obrigado a montar uma estrutura administrativa que, em última instância, não está comprometida com um programa comum que tenha sido originário das últimas eleições. O compromisso básico de muitos parlamentares  é com os esquemas para desviar dinheiro público através do exercício de emendas, uma distorção óbvia do presidencialismo em que vivemos.

O esquema, segundo me foi relatado por um informante que conhece há muito tempo os meandros da construção civil brasileira, funcionou da seguinte forma no governo Bolsonaro. O presidente estava determinado a assegurar sua reeleição a qualquer custo, e para isso precisava do apoio das construtoras. As maiores delas estavam insatisfeitas, já que, sob as luzes negras do neoliberalismo, já não havia grandes obras públicas a serem empreendidas.

O artifício, então, foi cooptar os médios e pequenos empreiteiros. Parlamentares ligados ao Centrão, operado de cima por Lira, aprovavam, mediante arreglos com seus colegas do Congresso, os projetos que seriam aprovados. Lira, mediante “negociação” com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, escolhia, através de licitações fraudadas, os que seriam “oferecidos” a empresários de médio e pequeno porte. Médios que não se interessassem por eles repassavam-nos aos pequenos. Todos recebiam propinas intermediárias.

Tudo funcionou muito bem  até que a Polícia Federal descobriu, no Maranhão, uma série de contratos fraudulentos assinados por construtoras de fachada com a Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Alguns empresários e intermediários foram presos, e seus nomes noticiados (inclusive por mim, em blogs). A partir de determinado momento, porém, já não se falou mais nisso. Houve a transição de governo, e as dificuldades tremendas do 8 de janeiro.

A esmagadora maioria dos parlamentares do Centrão está envolvida nesse esquema dirigido por Lira. É isso, fundamentalmente, que o tem mantido na presidência da Câmara. E seus poderes de Ali Babá foram as fichas básicas com que tentou jogar também com Lula, sendo que o presidente resistiu, como ficou claro na medida em que conseguiu aprovar, sem concessões não republicanas, a reforma  administrativa e o projeto do “arcabouço fiscal”. Não há, pois, divergências entre Executivo e Legislativo no governo da República. Há, sim, uma queda de braços em torno da apropriação do caixa do Tesouro, devidas à ação de Lira que o presidente repeliu. 

Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Adriano Machado

Institucionalmente, o que existe por trás dos esquemas de corruptos e corruptores no Congresso é uma distorção absurda da organização dos poderes da República, que não dividiu claramente as funções do Executivo e do Parlamento. Ao Executivo competiria planejar e fazer obras. Ao Legislativo, aprovar o orçamento e sua execução. Na prática da qual se derivou o Centrão e seus esquemas, o Congresso assumiu funções de planejamento e de execução, através das emendas de parlamentares.

É por isso que o julgamento de Arthur Lira pelo Supremo Tribunal Federal na próxima semana assume um sentido histórico. Se Lira for condenado, e espero que o Supremo aja com rigor, nos livraremos de boa parte da fonte de corrupção no Congresso, já que, sem sua liderança, o Centrão será esvaziado pelo medo de seus integrantes de também enfrentarem a Justiça. Que bom o regime democrático. Pelo menos em tese, os maus podem ser separados dos bons, e os últimos prevalecerão sobre os primeiros!  

*Jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção e professor aposentado de Economia Política da UEPB. Autor, entre outros livros, da trilogia sobre corrupção no regime militar, com os títulos de “A Chave do Tesouro”, “Os Mandarins da República” e “A Dupla Face da Corrupção”.

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J. Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)[2] e autor de mais de 20 livros.