O marciano não acharia o líder para aplicar o golpe. Por Moisés Mendes

Atualizado em 10 de julho de 2023 às 23:50
Bolsonaro e Mauro Cid. Imagem: Reprodução

Michel Temer disse ao empresário Joesley Batista, no Alvorada, em março de 2017, com a imposição de quem mandava: “Tem que manter isso aí, viu?”.

Braga Netto recomendou, com entonação de general religioso, a apoiadores de Bolsonaro, em novembro do ano passado, perto do cercado do mesmo Alvorada: “Vocês não percam a fé”.

Mauro Cid disse em troca de mensagens, com certa candura, ao colega Jean Lawand Júnior, como se falasse de banalidades da rotina palaciana, também no final do ano passado: “O general Heleno esteve aqui”.

O Ministério Público Federal acusou Temer de falar, naquele encontro com Joesley, da mesada que o empresário deveria continuar pagando a Eduardo Cunha, para que o sujeito ficasse calado sobre rolos de todo tipo.

Já Braga Netto consolava bolsonaristas, logo depois de um encontro com Bolsonaro, com a extrema desolada pela derrota para Lula e enquanto muitos apostavam na fé que move montanhas quando vinda do Exército.

E Mauro Cid conversava por mensagens com o amigo coronel Lawand sobre a articulação do golpe, também depois da eleição, no mesmo contexto em que o bolsonarismo em desespero tentava manter a fé.

Temer, na cadeira de Dilma, escapou da condenação depois de denunciado pelo MP por tentar comprar o silêncio de Eduardo Cunha com dinheiro dos outros.

Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice de Bolsonaro (PL). Foto: Reprodução

Braga Netto nunca será punido por entender que as pessoas precisam ter fé. E Mauro Cid poderá dizer nessa terça-feira, ao depor na CPI do Golpe, que, por mais que procurem o golpe na sua fala sobre Heleno, ele apenas viu o general andando por ali num dia de novembro.

Todos eles escaparam, escapam e escaparão. Cid, mesmo que pareça o mais enrolado nas investigações sobre o golpismo, não produziu nenhuma fala explícita e reveladora do plano do golpe.

Tudo é insinuado. Como eram dissimuladas as falas de empresários filmados em discursos em churrascarias de beira de estrada, em Santa Catarina, depois de eleição, todos na linha do não percam a fé porque ainda vai dar.

Não há, na alta hierarquia golpista, nada que explicite o golpe em conversas vazadas. Nem Bolsonaro deixou rastros que possam ser entendidos como provas irrefutáveis.

O que há, pela junção de falas, atitudes e ações, é um encadeamento coerente de fatos que levavam em direção ao golpe. Há o conjunto da obra.

É o que temos até agora. E temos também o vazio provocado pelas investigações inconclusas do que chamam de inquérito das fakes news, dos atos antidemocráticos, do gabinete do ódio e das milícias digitais.

O 8 de janeiro é o grande episódio, o show patético do golpe, mas não é o que explica o que aconteceu. O 8 de janeiro pode, muitas vezes, contribuir mais para confundir do que para desvendar o golpe.

O golpe, como conspiração armada no começo contra Dilma e o Supremo e depois contra Lula, é um movimento muito anterior, de antes de 2018.

A CPI, limitada na sua instalação a investigar os fatos ao redor do 8 de janeiro, talvez não ajude muito na compreensão do golpe, mas apenas do show dos manés e dos terroristas.

Mesmo que venha a identificar e pedir o indiciamento dos golpistas envolvidos com o 8 de janeiro, a CPI não terá feito o serviço completo se não identificar fatos e personagens da origem do golpe.

Não precisa retroagir lá ao golpe dos que pediam para manter isso aí e que é sim o começo de tudo, desde antes do agosto do golpe de 2016.

Mas é preciso, por respeito à História, que os verdadeiros golpistas não sejam confundidos com os 1.400 manés presos em Brasília e já transformados em réus.

Manifestantes bolsonaristas nas sedes dos Três Poderes
Registro dos ataques de 8 de janeiro. Foto: Agência Brasil

O 8 de janeiro pega cabos e soldados do golpe e alguns financiadores sem expressão. Se, a partir das bordas, a CPI chegar ao núcleo do golpismo, terá feito o serviço certo.

Se não conseguir avançar além dos manés, do homem que colocou a bomba no caminhão de combustíveis em Brasília e dos acampados que esperavam marcianos, terá sido frustrante para todos.

A estrutura do golpe, em torno de Bolsonaro, está intocada, porque nem Anderson Torres, o guardador de minutas, tinha relevância no esquema.

Desde o apelo para “manter isso aí”, os chefes escapam. E sobra para os Eduardos Cunhas. Os chefes estão sempre encobertos.

Se um marciano descesse no acampamento de Brasília e pedisse para que o conduzissem ao líder, para levar adiante o golpe, é possível que, na ausência de um grande chefe civil ou fardado, fosse encaminhado à barraca do Zé das Couves de Taguatinga.

Postado originalmente no Blog do Moisés Mendes.

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Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/