A ameaça de Cunha a um deputado — e a resposta exemplar que não está sendo ouvida. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 12 de abril de 2016 às 20:12
Aliel Machado
Aliel Machado

 

No festival repugnante de baixos instintos da Comissão do Impeachment, um deputado conseguiu causar supresa pelos motivos corretos.

O jovem Aliel Machado, 27 anos, ex-PC do B, atualmente na Rede do Paraná, começou seu voto afirmando que vai “pagar” por ele. “A emoção hoje toma conta, mas é a razão que ficará na história. Não tenho medo de enfrentar quando tenho razão no meu coração. Voto não”, cravou.

No fim da sessão, enquanto o circo pegava fogo, ele lembraria que continuaria “oposição ao governo”, mas “o pedido é extremamente frágil”. “Não quero deixar meu nome marcado”, falou à Gazeta do Povo.

Aliel não obedeceu à orientação de Marina Silva, mãe d’água da Rede, que está apoiando o impedimento (pelo menos para o momento, amanhã sabe Deus).

Mas o que Aliel também conta é uma história que, em circunstâncias normais, deveria causar asco e repúdio públicos, mas que, no grau de desfaçatez do golpe, na histeria antipetista, numa hora em que o vice presidente grava um pronunciamento à nação com seu programa de governo e o divulga na maior, passou em brancas nuvens.

Enquanto o governo é acusado, pelos suspeitos de sempre, de “barganhar cargos”, Cunha e Temer montaram um quartel general na Câmara para achacar e comprar apoio a sua aventura.

Aliel afirma que foi procurado pelo povo de Michel Temer, que queria saber 0 que ele “precisava”. Em suas palavras: “‘O que que você quer? O que que você acha que você precisa, pra te ajudar? Você é candidato a prefeito, tem que votar a favor’”.

Mais sobre o assédio: “‘Olha, vem aqui, vamos conversar, você não quer falar com o Temer?’, convidaram. ‘Não’, falei, ‘acho que não’. ‘Não, fale com ele.’ Chegaram a marcar reunião pra mim. Ontem, me mandaram: ‘O sr. pediu uma reunião com o Temer, ele vai lhe atender agora’. ‘Não, não não. Eu não pedi reunião nenhuma. Eu não vou.’”

O papel de Temer, segundo ele, é “vergonhoso”: “Ele foi para o Rio de Janeiro conquistar os deputados do PMDB. E foi para outros estados. E quem está operacionalizando isso para ele é o Cunha”.

Como sempre, em se tratando de Cunha, o nível vai para a briga de rua, a chantagem pesada, a bandidagem, o gangsterismo.

“Eu tive uma conversa com o Cunha na semana passada. Porque eu fui na sala dele porque tinha um grupo querendo entrar no plenário e ele não autorizava. Fiquei puto da cara e fui lá. O Cunha falou: ‘Você não vai mais andar em Ponta Grossa. O Temer vai ser presidente, você vai ver’”, diz.

“Ele estava numa reunião com o Paulinho da Força e o Rodrigo Maia do DEM. Eles coordenando, articulando e chamando os líderes partidários, os deputados, convencendo. O Mendonça Filho veio me pedir, do DEM: ‘Você tem que ser a favor’. Vários deles. Os caras que estão a favor do impeachment estão montando o governo com o Temer, eles vão assumir o comando de tudo. DEM, PSDB, todos esses caras. É o jogo aqui.”

Aliel não foi o único que passou por esse corredor polonês, mas é uma voz isolada dentro do puteiro — perdoe meu francês — do Congresso.

Resta-lhe uma certa resignação. “Não estou traindo meus princípios. Talvez nem deputado eu volte a ser. Mas estou tranquilo, sou jovem, posso trabalhar em outra área. Mas nunca tinha sentido muita tristeza, dias antes da votação. Porque eu tentava arranjar justificativa para votar a favor e não conseguia”, conta.

Você vai dizer que é ingenuidade. Eu acho que é caráter. Talvez seja tarde. Mas um sujeito como Aliel será necessário a partir de segunda feira, seja qual for o resultado.