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A aposentadoria de Sarney

Símbolos da ditadura sobreviveram na democracia

Sarney é daqueles políticos que só saem da política no caixão.

Por isso é surpreendente que ele tenha anunciado sua aposentadoria, ainda que aos 84 anos.

Sarney, mais que qualquer outro nome, simboliza o mundo político que é um enorme obstáculo ao desenvolvimento social brasileiro. Enriqueceu espetacularmente no poder no Maranhão, ao passo que a sociedade maranhanse se arrastava numa miséria intolerável.

É também um ícone da fragilidade da transição da ditadura para a democracia no Brasil. Mesmo tendo apoiado os generais e todos os seus horrores, manteve-se sempre no poder.

Ele lembra, neste sentido, a Globo.

Nas redemocratizações ao longo da história mundo afora, aliados da ditadura costumam pagar por seu apoio na forma de ostracismo ou mesmo de sentenças na cadeia.

A Sarney, para enorme infortúnio dos maranhenses, não foi apresentada conta alguma.

Sua pobreza de espírito pode ser verificada num depoimento que ele deu para um projeto de memória de Roberto Marinho, feito pela Globo.

Ele afirmou que uma das coisas que o faziam gostar de RM era a “influência” dele. Gente sábia admira alguém pela inteligência, pela generosidade, pela intrepidez. Sarney admirava RM porque este mandava no Brasil.

Ele contou, em seu depoimento, que sempre que ia ao Rio visitava Roberto Marinho, em busca de aconselhamentos.

Com este espírito, Sarney governou o Brasil como vice de Tancredo Neves depois que este morreu antes de ser empossado.

O Brasil, sob Sarney, não chegou a romper com a ditadura, e isso foi uma pena. E o Brasil, depois do presidente por acaso, não chegou a romper com Sarney, o que também foi uma pena.

Com suas alianças, baseadas na exploração espúria do povo pobre maranhense, ele se manteve no topo mesmo quando o PT ascendeu.

A aliança do PT com Sarney é um dos capítulos mais melancólicos da história petista, e ajuda a entender por que tantos jovens idealistas não enxergam no PT um partido diferente dos outros.

Sarney abandonar a política é, em sim, naturalmente, uma boa notícia.

Mas nada vai mudar se uma reforma política vigorosa não for feita de tal forma que fiquem bloqueados novos Sarneys sempre prontos a se locupletar à custa do povo sofrido brasileiro.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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