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A Argentina se preocupa com o gelo do papa em Macri

Macri e Bergoglio

Publicado no Unisinos.

 

Na Argentina, estão convencidos de que o novo presidente, Mauricio Macri, não agrada muito ao Papa Francisco. Tanto que até mesmo uma audiência, a seu modo histórica, como a que se realizou nessa sexta-feira na residência privada de Santa Marta com a presidente das “Mães da Praça de Maio”, Hebe de Bonafini, é lida como um sinal desfavorável.

As supostas diferenças com Macri e o encontro com Hebe, símbolo histórico das vítimas da ditadura militar, não podem ser postas no mesmo plano. Mas, em Buenos Aires, nota-se como o Papa Francisco “continua recebendo personalidades muito próximas da ex-presidente Cristina Kirchner”, como foi também Hebe de Bonafini, na última década.

Tudo nasce da surpresa que provocou na Argentina a sensação de frieza do primeiro e único face a face em Roma entre o ex-arcebispo da capital, há três anos papa, e Macri, no fim de fevereiro. E que agora reverbera nas primeiras dificuldades políticas dos primeiros meses do novo governo.

A terapia de choque em economia, logo adotada pelo novo presidente, com a desvalorização da moeda local, o aumento dos preços e o corte, por razões orçamentais, de muitos subsídios governamentais aos serviços básicos (luz, gás, transportes) causaram uma onda de descontentamento, especialmente nos setores mais pobres da população.

Assim, os sinais que vêm de Roma também são lidos como uma crítica às escolhas do novo governo. E são observados com preocupação nas salas da Casa Rosada, a sede da presidência. Quem admitiu as dificuldades, na quarta-feira, 25, foi a vice-presidente do governo argentino, Gabriela Michetti, reconhecendo que, entre Buenos Aires e Roma, “há distância na compreensão do projeto político”.

“Eu não quero dizer – ressaltou a vice de Macri – que o Santo Padre não compreende o nosso projeto político, mas que, talvez, não pudemos lhe contar bem para onde queremos ir.” “É preciso – concluiu – um bate-papo, claro e profundo, no qual o presidente possa explicar ao Papa Francisco como ele pensa em levantar novamente o país.”

Poucas horas antes dessa declaração, o cardeal Mario Poli, arcebispo de Buenos Aires, tinha celebrado o Te Deumcom um discurso “de fortes ênfases sociais”, no qual pedia uma mesa de negociação entre governo, oposição e sindicatos, e uma estratégia política mais atenta aos pobres.

Recessão e inflação, que Macri herdou dos últimos anos de Kirchner, no entanto, pioraram com a terapia de choque, e 30% dos argentinos agora vivem abaixo da chamada linha de pobreza. Um dado que preocupa a Igreja, pouco persuadida pelos discursos do governo quando assegura que as suas decisões econômicas vão garantir a retomada nos próximos meses.

Por isso, os gestos de Roma são traduzidos e aplicados à política local. Por outro lado, o pouco entusiasmo de Bergoglio em relação ao presidente Macri vem de longe e retoma aos tempos em que o primeiro era arcebispo da capital, e o segundo era prefeito. Uma questão de feeling que se tornou evidente no primeiro encontro de fevereiro passado, depois do qual os jornais argentinos começaram a falar de uma “Santa Brecha”, dos dissabores que dividiriam o Santo Padre do novo líder do governo argentino. Uma lista substancial, de acordo com alguns.

Mas também porque Macri, quando foi para Roma, esperava obter do papa uma data para a sua primeira viagem pastoral à Argentina, país de ambos, que Francisco deixou quando ainda era o bispo Bergoglio e ao qual ainda não retornou. A visita, pensada para este ano, ainda está adiada, talvez justamente porque o ambiente, político e social, está inquieto.

Além disso, há muitos episódios aparentemente menores. Como as conhecidas simpatias de Macri pela religião budista. Ou as acusações contra Juliana Awada, esposa de Macri, criticada porque teria utilizado na sua empresa de tecidos a colaboração de laboratórios clandestinos com condições de trabalho consideradas “escravistas”.

Na realidade, como ficou evidente a partir da homilia do cardeal Poli, a Igreja teme que as políticas liberais de Macri acabarão favorecendo as desigualdades em vez de combatê-las, em um país que ainda tem muitas dívidas com a parte mais pobre da sua população. E talvez o papa também pensa assim.

Diario do Centro do Mundo

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