A arte da conversação segundo um notável manual para damas do século 19

Atualizado em 13 de abril de 2015 às 16:09
"Chez le père Lathuille" , Édouard Manet
“Chez le père Lathuille” , Édouard Manet

Em meados do século XIX, a americana Florence Hartley escreveu um detalhado manual de etiqueta para damas, abordando todas as questões que envolviam a vida das mulheres da época. Há cerca de vinte capítulos, cada qual ensinando algo diferente: como se vestir, como se comportar em hotéis, como agir em uma igreja, como tratar os criados, como flertar, como pentear o cabelo, como escrever cartas, entre várias outras coisas.

Com uma boa dose de humor e sensatez, Florence Hartley elegeu diversas regras de conduta que, empregadas corretamente por uma mulher, transformariam-na em uma legítima dama.

Em pleno século XXI, algumas dessas normas estão ultrapassadas. Outras, nem tanto.

Essa flexibilidade pode ser provada a partir do capítulo em que Florence elenca tudo o que uma mulher deve ter em mente se quiser dominar a arte da conversação. De maneira delicada, sem ser esnobe ou pretensiosa – a não ser no trecho da “legítima polidez cristã”, mas seria conveniente deixar isso de lado –, Florence nos dá uma aula e tanto. Seguem os principais ensinamentos:

→ A arte da conversação consiste no exercício de duas belas qualidades: a originalidade e a simpatia; e o importante é ser capaz tanto de comunicar-se quanto te ouvir atentamente. A união é tão rara quanto irresistível.

→ A menos que esteja conversando com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, não se deixe envolver por qualquer distração e concentre toda a sua atenção em um mesmo indivíduo. Segundo Steele, uma única regra pode ser estabelecida na arte da conversação: As pessoas devem falar a fim de agradar os que as ouvem, não a si próprias. Isso as faria considerar se o que falam é digno de ser ouvido, se há ou não espírito ou sensatez no que estão prestes a dizer e se o conteúdo deve ou não ser adaptado de acordo com o momento, o local e a pessoa a quem estão se dirigindo.

→ Seja cuidadosa e evite abordar assuntos que façam referência direta a algum evento ou a alguma circunstância que possa trazer desconforto ou tristeza ao interlocutor; no caso de, sem ter a intenção, dar início a um assunto que desagrada a pessoa com quem está falando, não o interrompa abruptamente, e muito menos faça a descortesia de pedir desculpas. Ao contrário, mude de assunto o mais rápido possível e não demonstre ter notado qualquer agitação que seu comentário possa ter causado.

→ Lembre-se que uma conversa jamais é sustentada por uma única pessoa; não concentre a atenção completa em você, recusando ao seu interlocutor a oportunidade de falar, e também evite o extremo oposto, que consiste no silêncio total ou nas respostas monossilábicas.

→ Se a pessoa com quem estiver falando relatar algum acontecimento, não a interrompa abruptamente com questões. Se não compreender algo da narrativa, espere até que a termine e faça as perguntas que desejar.

→ É extremamente indelicado e pedante fazer uso de palavras ou expressões em francês, a não ser quando se está convicta que seu interlocutor está familiarizado com a linguagem; e, ainda assim, o melhor seria evitá-las. Acima de qualquer coisa, procure não fazer uso de frases de efeito em linguagem que desconhece. Temos como exemplo uma dama que costumava declarar sem mais nem menos um belo provérbio espanhol; ela havia decorado aquela única frase. Em certa ocasião, um cavalheiro cubano, encantado ao conhecer uma americana capaz de conversar com ele em sua própria linguagem, imediatamente dirigiu-se a ela em espanhol. Constrangida, a dama foi obrigada a confessar que seu conhecimento da língua espanhola se limitava àquela frase.

→ Nunca antecipe o final de uma piada ou de qualquer anedota contada em sua presença. Ainda que conheça o final da história, ela pode ser nova aos demais e o narrador possui o direito de terminá-la em suas próprias palavras.

→ Nunca humilhe uma pessoa corrigindo, na frente de outros, erros de pronunciação ou de gramática. Se a intimidade permitir, dirija-se a ela em particular; ou apenas deixe passar.

→ Jamais tente denegrir uma amiga ausente. É o ápice da perversidade. Se outros a prezam e você não, deixe que mantenham suas opiniões em paz. Quando tentamos caluniar alguém, o mais provável é que falhemos em tal tarefa e conquistemos para nós mesmas a reputação de uma pessoa má e invejosa.

→ Evite mencionar assuntos e incidentes que possam enojar seus ouvintes. Muitos fazem questão de abordar detalhes de doenças que devem ser mencionadas apenas quando necessário, ou descrever cenas desagradáveis. A alusão a esse tipo de assunto é indelicada; não apenas entediante, mas repugnante.

→ Não posso dizer o quão odiável é o hábito de fazer uso de frases maliciosas; não se trata apenas de indecência, e sim de grosseria. Se você por acaso se aproximar de alguém malicioso, não dê a entender – por meio de palavras, olhares ou sinais – que compreende o significado verdadeiro do que está sendo dito; além, é claro, do significado literal.

→ Jamais repita a uma pessoa qualquer discurso desagradável que possa ter ouvido sobre ela. Se você for capaz de agradá-la ao repetir um elogio gracioso ou um comentário agradável, faça-o, mas evite magoá-la ou envolvê-la em uma briga a partir da repetição de observações maldosas.

→ Para ser capaz de dominar a arte da conversação, você deve ler muito, guardar em sua memória as pérolas de suas leituras, ter uma mente rápida, estar atualizada dos acontecimentos e adquirir o máximo de conhecimento; mas também é necessário o mínimo de tato. Quero dizer, não é conveniente nem delicado conversar sobre assuntos muito complexos com pessoas menos escolarizadas do que você – é sinal de má educação, pois resultará em uma boa dose de tédio ou constrangimento ao interlocutor e nada adicionará em sua popularidade.

→ Evite cuidadosamente qualquer alusão à idade ou aos defeitos tanto de seu interlocutor quanto de qualquer pessoa presente no ambiente onde estão. Tome um cuidado especial ao referir-se a algum desconhecido. Conheço uma dama que inquiriu a um cavalheiro, “quem poderia ser aquela criatura ridícula de vestido azul” e recebeu imediatamente a informação de que a criatura em questão era a irmã mais velha do rapaz.