‘Entrevista com Escritores Mortos’ 24: Arthur Schopenhauer

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:45
Para ele, muitos eruditos lêem tanto que se tornam burros

Schopenhauer era tão pessimista que dizia o seguinte: “A pior coisa que pode acontecer a alguém é nascer”.  Seu pessimismo derivou da grande influência exercida nele pelas filosofias orientais. Para o budismo, por exemplo, a vida é, numa palavra, sofrimento. Concordo. Mas chamei Schopenhauer por outro motivo: falar sobre a arte de ler e escrever, tema de um ensaio que no Brasil foi publicado pela LPM numa edição de bolso. É mais um capítulo de nossas Conversas com Escritores Mortos.

Herr Schopenhauer, como o senhor divide as pessoas que escrevem?

Há três tipos de autores. Em primeiro lugar, aqueles que escrevem ser pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de escrever – e eles são raros.

Na internet, muita gente escreve insultos sob pseudônimos. O que o pensa disso?

Parafraseio Riemer em seu livro sobre Goethe. Um adversário que exibe a cara abertamente é uma pessoa honrada, moderada, com a qual é possível se entender, chegar a um acordo e mesmo a uma reconciliação. Em compensação, um adversário escondido é um patife covarde e infame, que não tem coragem de assumir seus pensamentos, portanto alguém que não defende sua opinião – e só se interessa pelo prazer secreto que sente em descarregar sua ira sem ser conhecido e não sofrer retaliações.

O que o senhor acha de quem imita o estilo de outro?

O estilo é a fisionomia do espírito. Imitar o estilo alheio significa usar uma máscara. Por mais bela que esta seja, torna-se pouco depois insípida e insuportável porque não tem vida, de modo que mesmo o rosto vivo mais feio é melhor que ela.

Algumas pessoas gostam de escrever com pompa. O que o senhor pensa disso?

Não há nada mais fácil, do que escrever de maneira que ninguém entenda. Em compensação, nada é mais difícil que expressar pensamentos significativos de modo que todos os compreendam.

Voltaire disse: “Todo adjetivo é inimigo do substantivo”. Ele estava criticando a prolixidade. Como o senhor vê isso?

Muita gente procura esconder sua pobreza de pensamento sob uma profusão de palavras – e, por isso, deve-se evitar toda prolixidade. É preciso ser econômico com o tempo, a paciência e a dedicação do leitor. É sempre melhor deixar de lado algo bom do que incluir algo insignificante.

O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso?

Usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos é sempre sinal inconfundível de mediocridade. Em contrapartida, o sinal de uma cabeça eminente é resumir muitos pensamentos em poucas palavras.

Ler muito ajuda?

Quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si próprio – como alguém que, de tanto cavalgar, desaprendesse caminhar. Este é o caso de muitos eruditos: leram até ficarem burros.

O senhor entende que devemos ser muito seletivos no que lemos?

Sim. A vida é curta, o tempo e a energia são limitados.

Muitas pessoas compram mais livros do que conseguem ler. Alguma recomendação?

Seria bom comprar livros se, ao mesmo tempo, comprássemos o tempo para lê-los, mas é comum confundir a compra de livros com a assimilação de seu conteúdo.

Herr Schopenhauer? Dank und applaus. Clap, clap, clap.