A bailarina que tramou a derrubada do governo do Panamá

Atualizado em 6 de maio de 2013 às 6:40

Foi uma das tentativas de golpe de Estado mais estranhas da história, descrita por alguns diplomatas como uma “comédia atrapalhada”.

Margot com Nureiyev
Margot com Nureiyev

 

O texto abaixo foi publicado, originalmente, na BBC.

Foi uma das tentativas de golpe de Estado mais estranhas da história, descrita por alguns diplomatas como uma “comédia atrapalhada”.  E no centro de tudo estava uma famosa bailarina e seu marido panamenho, tentando derrubar o governo do pequeno país na América Central.

A história é agora recapitulada por uma amiga do casal, a ex-modelo britânica Judy Tatham, hoje com 87 anos e vivendo na Itália. Em uma rara entrevista sobre o tema, ela relembrou os detalhes do caso ao programa Witness, da BBC.

O ano era 1959 e a bailarina britânica Margot Fonteyn era casada com o panamenho Ricardo ‘Tito’ Arias. Filho de um ex-presidente do Panamá,  ele fazia parte de uma família liberal que se opunha ao regime autoritário do então presidente Ernesto de La Guardia.

“Margot achava que o marido ia virar presidente e que ela seria a rainha do Panamá”, diz Judy. “O papel dela era romântico; e o meu era de ajudar uma amiga.”

Num dia de abril daquele ano, as duas amigas e Ricardo tomavam café da manhã em Nova York quando a bailarina fez um estranho pedido.

“Você pode me conseguir umas camisas?”, Margot perguntou à modelo, dizendo que queria as roupas em tamanho pequeno, médio e grande. A conversa foi ficando mais estranha. “Preciso de 500 camisas verdes”, prosseguiu a bailarina, acrescentando que precisava também de braçadeiras que pudessem ser usadas sobre as camisas.

Nem Margot nem o marido explicaram o porquê do pedido: “Ninguém falou em revolução, e eu era educada demais para perguntar”,  Judy explica.

Mesmo sem saber o que estava sendo tramado,  Judy disse que queria ser parte do plano. Tito sugeriu que a modelo fosse ao Panamá e levasse todo o material com ela.

Judy fez as malas e partiu para o Panamá sem saber como passaria com toda a carga solicitada pela alfândega. A solução veio por acaso: passeando por uma loja de departamentos, Judy viu umas caixas de absorventes femininos, comprou uma e enfiou as camisas e as braçadeiras dentro dela.

A bailarina e o marido panamenho
A bailarina e o marido panamenho

O plano deu certo: nenhuma autoridade teve coragem de parar a então bela modelo e perguntar para que ela precisava de tantos absorventes.

Depois de passar pelo controle aeroportuário sem ser perturbada, Judy rumou para a casa da família de Tito. Sem saber o destino de Margot, a amiga foi passear pelo país com o marido da bailarina, comeu em restaurantes rústicos, sem nunca ouvir menção a golpe nenhum.

Mas Rosário, irmã de Ricardo, levantou o assunto sem contar toda a história. “Você ouviu falar de uma revolução? Bem, não se preocupe. Derrubar presisdentes é a especialidade de nossa família,” disse ela.

“Margot achava que o marido ia virar presidente e que ela seria a rainha do Panamá”

A amiga voltou a Nova York e só muito tempo depois soube do destino final dos uniformes e braçadeiras e do envolvimento de Margot com o suposto golpe.

Arquivos confidenciais da diplomacia britânica, divulgados em 2010, descrevem como uma “comédia atrapalhada” o ocorrido em 21 de abril de 1959 e relatam a surpreendente detenção de Margot Fonteyn na Cidade do Panamá.

A bailarina e o marido, a bordo de seu luxuoso iate, deveriam ter desembarcado e coletado munição e pessoal, para tomar o controle de uma importante rodovia panamenha.

Mas eles foram denunciados por um grupo de pescadores e tiveram de fugir. Quando Margot foi presa, Tito ainda estava desaparecido.

Ao mesmo tempo, estudantes que deveriam dar início a uma rebelião na capital foram desmobilizados antes de pegar em armas. Para completar o golpe cômico, rebeldes que seriam mandados de Cuba por Fidel Castro nunca chegaram.

Margot foi libertada com a ajuda do embaixada britânica e colocada num voo para os Estados Unidos. Telefonou para a amiga do aeroporto, mas não contou o que tinha acontecido. Com a insistência dos diplomatas britânicos em Nova York, as duas foram mandadas de volta a Londres.

“Eu fui tirada do avião pela porta do piloto enquanto ela teve que encarar a imprensa”, relembra Judy. Imagens da época mostram a serena bailarina rindo da insistência dos repórteres em busca de informações sobre o envolvimento dela e do marido no golpe frustrado.

Judy nunca mais voltou aos Estados Unidos, onde tinha amigos, apartamento e emprego. A amizade com Margot acabou pouco tempo depois de elas voltarem para casa – as duas nunca mais se viram. A bailarina e o marido voltaram a viver no Panamá, onde Margot morreu em 1991, aos 71 anos.

Mais de meio século depois, Judy prefere não julgar a ex-amiga. “Margot não tinha nenhuma imaginação – e não podia, portanto, imaginar o que deu errado na tentativa de golpe. Para ela, parecia que tudo não passava de uma brincadeira, uma espécie de aventura. Ela achou tudo muito divertido – e eu também.”