
POR REYNALDO ARAGON, jornalista especializado em geopolítica da informação e geopolítica da tecnologia
O debate sobre os rumos da frente ampla e a estratégia política para 2026 se intensificou com a carta aberta de Kakay ao presidente Lula. O advogado faz uma crítica direta ao isolamento político do presidente e à falta de articulação para garantir a continuidade do projeto progressista. Além disso, defende enfaticamente Fernando Haddad como o sucessor natural e aposta que, com a possível condenação e prisão de Bolsonaro, uma direita moderada poderia emergir para ocupar o espaço político que hoje pertence à extrema-direita.
Lula enfrenta dificuldades crescentes em manter uma articulação política eficiente. A frente ampla foi construída sobre um pacto frágil, reunindo setores diversos do espectro político para derrotar Bolsonaro em 2022. No entanto, esse arranjo não se consolidou como uma aliança programática de longo prazo, e há sinais claros de distanciamento entre setores que foram fundamentais para a vitória eleitoral do presidente. Esse isolamento, caso persista, pode comprometer a governabilidade e enfraquecer as bases progressistas para a próxima disputa presidencial.
Kakay sustenta que Haddad é o nome mais preparado para assumir essa posição, destacando sua inteligência e capacidade de articulação. No entanto, essa visão não é unânime dentro do PT e tampouco entre os aliados da frente ampla. A escolha de um nome competitivo para 2026 não pode ser tratada como uma decisão exclusivamente interna do PT, mas sim como um desafio estratégico que envolve toda a base progressista. A fragmentação da frente ampla pode dificultar essa definição e, sem um consenso forte, abrir espaço para que candidatos outsiders ganhem força.
Kakay aposta que, com a saída de Bolsonaro do jogo político, há espaço para o crescimento de uma direita moderada, capaz de se afastar do extremismo. Essa expectativa pode ser ingênua, pois o bolsonarismo não é apenas um projeto de poder individual de Bolsonaro, mas sim uma estrutura política enraizada na guerra cultural e na desinformação. A extrema-direita brasileira faz parte de um movimento global, articulado com think tanks, redes de financiamento internacionais e estratégias de manipulação informacional que operam independentemente da figura de Bolsonaro. Sua eventual condenação e prisão podem até gerar disputas internas dentro do bolsonarismo, mas não significam, de forma alguma, o enfraquecimento desse projeto político.
O advogado projeta um cenário em que a política brasileira pode caminhar para um reequilíbrio, no qual uma direita mais civilizada poderia se consolidar. Eu, por outro lado, vejo um quadro mais desafiador: a extrema-direita não apenas sobreviverá, mas continuará se reinventando e utilizando as mesmas estratégias que garantiram sua ascensão nos últimos anos. O Brasil continua sendo um laboratório de guerra híbrida, e a máquina de desinformação seguirá ativa, independentemente da presença de Bolsonaro como candidato.
Diante desse cenário, os desafios do campo progressista vão muito além da definição de um nome para a disputa presidencial. Sem uma estratégia eficaz de enfrentamento da guerra híbrida e da manipulação informacional, qualquer candidatura progressista enfrentará uma batalha desigual. A direita tem a vantagem da mobilização digital, da militância radicalizada e da influência sobre a opinião pública por meio de redes coordenadas de desinformação. O campo progressista, por sua vez, ainda não conseguiu estruturar uma resposta robusta para neutralizar essa ofensiva.
Se a frente ampla quiser ter chances reais em 2026, precisa agir agora. Primeiro, é fundamental que o governo Lula reforce sua articulação política, reaproximando setores que foram essenciais para sua vitória e que hoje demonstram sinais de distanciamento. Segundo, a definição de um candidato forte precisa ser feita com estratégia, levando em consideração o equilíbrio dentro da frente ampla e a necessidade de um nome competitivo para além do eleitorado tradicional do PT. Por fim, é imprescindível um enfrentamento concreto à guerra híbrida. Não se trata apenas de disputar votos, mas de compreender que a política hoje também se dá no campo informacional. Sem um plano eficaz para desmobilizar as redes de ódio e combater a desinformação, a extrema-direita seguirá com vantagem.
O futuro da frente ampla depende de sua capacidade de agir com inteligência e estratégia. Não há tempo para ilusões sobre o desaparecimento espontâneo do bolsonarismo ou sobre uma reorganização natural da política brasileira em moldes mais democráticos. O campo progressista precisa estar pronto para um embate intenso, no qual articulação política e disputa de narrativas serão determinantes. O tempo para reagir já começou.