A conexão de Pimenta da Veiga, ex-ministro de FHC e réu por lavagem de dinheiro, com a Brasif e o triplex de Paraty. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 15 de março de 2016 às 10:45
Pimenta e o velho aliado Aécio Neves
Pimenta e o velho aliado Aécio Neves

Esta reportagem é parte da série sobre a reeleição de FHC do DCM. O projeto foi financiado através de crowdfunding no Catarse. As demais matérias estão aqui.

 

O ministro das Comunicações do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, Pimenta da Veiga, é sócio do empresário Jonas Barcellos, dono da Brasif, em um mega empreendimento imobiliário de Brasília.

A Brasif é investigada em um inquérito sigiloso da Polícia Federal, aberto depois que a jornalista Mirian Dutra, ex-repórter da Rede Globo, disse, em entrevista, que recebia 3 mil dólares por mês de Fernando Henrique Cardoso, por meio de um contrato fictício com a empresa.

Mirian Dutra é mãe de Tomás Dutra Schimidt, nascido em 1991, quando Fernando Henrique Cardoso, casado com Ruth Cardoso, tinha com ela um relacionamento que já durava seis meses.

Mirian atribui a paternidade ao ex-presidente, mas em 2011, quando Tomás tinha 20 anos de idade, Fernando Henrique divulgou à imprensa o resultado negativo de um exame de DNA.

O ex-presidente disse, entretanto, que continuaria a se relacionar com Tomás como pai, uma vez que o teria reconhecido como filho em um cartório na Espanha, onde ele morava com a mãe.

Em agosto de 2014, Mirian notificou Fernando Henrique Cardoso, através de um advogado, para que apresentasse o documento de reconhecimento da paternidade e o resultado de DNA.

A notificação foi enviada para o Instituto Fernando Henrique Cardoso e para o apartamento dele, em Higienópolis, e nunca foi respondida. Contrariando orientação do advogado, José Diogo Bastos, Mirian não quis processar o ex-namorado.

Cinco meses depois da notificação, em janeiro do ano passado, Fernando Henrique comprou um apartamento para Tomás na cidade de Barcelona, por 200 mil euros (820 mil reais), valor pago em dinheiro.

“O filho é do Fernando Henrique. Quem plantou uma nota mentirosa na Veja, em 1991, dizendo que eu estava grávida de um biólogo não precisa de muito esforço para inventar um DNA”, disse Mirian, em entrevista que me deu no dia 19 de fevereiro.

“Às vezes, me dou conta de que tudo isso parece uma novela mexicana”, comentou a jornalista.

Jonas Barcellos entrou na história nos últimos meses do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando uma das empresas controladas pela Brasif assinou contrato com Mirian Dutra, para que ela recebesse o que, segundo Mirian, era a pensão do então presidente para o filho.

Jonas Barcellos era concessionário do governo federal nos aeroportos brasileiros, onde mantinha as lojas duty free (livre de impostos).

Na semana passada, revelei que o dono da Brasif se tornou concessionário de pelo menos onze TVs a cabo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em sociedade com o jornalista Alberico de Souza Cruz, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo, e alguns empresários.

Alberico ajudou Mirian em seu autoexílio na Europa e, em sinal de respeito e amizade, foi escolhido por ela para batizar o filho Tomás. Em entrevista, ela me contou que suspeitava que o amigo e ex-chefe também havia sido recompensado por Fernando Henrique Cardoso com concessão de TV.

É nesse ponto que a sociedade do ex-ministro Pimenta da Veiga com Jonas Barcellos num empreendimento imobiliário em Brasília passa a ser de interesse público. Era Pimenta da Veiga quem encaminhava o processo de concessões de TV.

O ex-ministro tem 5% das cotas do condomínio em uma área e 7% em outra. Jonas Barcellos e o grupo Alphaville têm juntos cerca de 90%. O quarto sócio é dos antigos proprietários do terreno.

Localizei Pimenta da Veiga por telefone em Belo Horizonte e ele negou qualquer relação da sociedade com Jonas Barcellos ao caso Mirian Dutra. “Eu advoguei para o Jonas e os investidores na questão dos terrenos – havia sucessões e outras pendências que precisavam ser resolvidas – e preferi receber meus honorários em participação no empreendimento”, disse Pimenta da Veiga.

A SPE Alphaville Brasília Etapa I Empreendimento Imobiliário Ltda. é a razão social do empreendimento, que tem na pessoa de Santos de Araújo Fagundes, sócio minoritário de Jonas Barcellos na Brasif, um dos principais diretores.

É no nome de Santos de Araújo Fagundes que a história de Mirian Dutra dá uma volta quase completa e a coloca de novo na biografia da família Marinho que um dia poderá ser escrita. Mundo pequeno.

Em carta ao blog Tijolaço, Santos de Araújo Fagundes se apresentou como proprietário da Santa Amália Administração e Participações Ltda., condômina do helicóptero PT-DAS juntamente com a Agropecuária Veine Patrimonial Ltda. Procurei Santos de Araújo Fagundes na Brasif e fui orientado a enviar e-mail, o que fiz.

Neste sábado, 12 de março, recebi o telefonema de uma assessora da Brasif, Mara, que queria saber mais detalhes da apuração. Informei, mas não tive retorno de Santos de Araújo Fagundes.

A Veine é oficialmente a proprietária do tríplex construído irregularmente na praia de Santa Rita, em Paraty, dentro da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu.

Mas, desde 2012, quando a Bloomberg fez reportagem sobre os milionários brasileiros que ameaçavam a reserva de Mata Atlântica com construções em locais proibidos, a propriedade da mansão é atribuída à família Marinho.

O helicóptero de Santos de Araújo/Veine Patrimonial também era utilizado pela família Marinho.

“Os ricos brasileiros podem fugir de quase tudo”, disse o procurador da república Fernando Amorim Lavieri quando questionado pela Bloomberg sobre o alcance da lei para os milionários que invadiram a reserva ambiental.

Apesar disso, o procurador Lavieri abriu o inquérito civil que levou a justiça federal em Angra dos Reis a determinar a demolição das construções em nome da Veine na Praia de Santa Rita.

Depois da abertura do inquérito, Lavieri foi transferido para Vitória, no Espírito Santo, onde – mundo pequeno demais! – encontrou pela frente o caso do Helicoca (os quase 445 quilos de pasta base de cocaína apreendidos no helicóptero do senador Zezé Perrella). Lavieri não gostou do que viu e ouviu no inquérito conduzido pela Polícia Federal em Vitória e deixou o caso Helicoca.

Em Paraty, o processo começou bem, mas está demorado. A ordem de demolição ainda não foi cumprida porque, entre outros eventos inesperados, em julho do ano passado, quando o oficial de justiça chegou ao endereço da Veine, soube que a empresa tinha se mudado para “local incerto”.

A solução foi publicar a intimação no Diário Oficial da União. Hoje, o caso está sendo discutido em grau de recurso, no Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro, mas sem a presença dos donos da Agropecuária Veine Patrimonial Ltda., só de representantes. A Veine é uma empresa formalmente controlada por uma offshore do Panamá.

Nestes tempos em que tanto se fala de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, o caso do tríplex de Paraty poderia se enquadrar em quê? “Os ricos brasileiros podem fugir de quase tudo”.